- Senhor Oliver Alves, você está suspenso das aulas por uma semana.
- O quê? Eu não fiz aquilo!
Sacrifício, é isso que são minhas idas até a casa da tia Olga. Eu me submeto ao risco de passar por coisas desagradáveis em troca de um interesse maior. A camisa completamente encharcada. Esse foi o preço dessa vez. Eu até gosto da tia, ela preserva o espírito jovem, mas sempre evito aparecer lá por causa do pestinha do meu primo, Gabriel. Dessa vez a recepção foi o ataque com uma pistola d'água. E isso porque em plenas seis e meia da manhã todas as crianças com menos de cinco anos deveriam estar dormindo! Mas a ida foi realmente necessária.
Pedi a tia Olga para que desse uma passada lá em casa antes de eu voltar do colégio, para saber se meu pai estava bem. Depois do último surto, quando quebrou a garrafa de uísque no quarto, achei melhor não deixá-lo sozinho por muito tempo. Eu não sei ao certo qual a dimensão disso, mas a verdade é que, apesar de todos esses anos, meu pai não está, ao menos, melhorando. O pior é que eu consigo entendê-lo, e por isso, às vezes me pergunto se eu não deveria agir igual. Penso que quando o acidente aconteceu eu fosse um tanto pequeno demais e, de alguma forma, minha mente deu um jeito de bloquear o trauma. Mas por outro lado, penso que já sou crescido o suficiente para ter uma opinião própria sobre o luto. Eu sei que o corte súbito de todas as coisas que não existirão mais entre quem foi e quem ficou dói, mas uma hora ou outra a gente tem que se acostumar ao fato de que a outra pessoa não vai mais estar do outro lado, segurando a outra ponta do cordão. E o que me assusta mais é pensar que talvez o que meu pai sente até hoje não seja só o luto, mas algo mais profundo que o preto simbólico das roupas e do seu mundo particular. Escuridão total.
Não voltei para casa para trocar a camisa molhada, o calor e o vento durante o caminho até a Broken cuidaram disso e eu não precisei de uma advertência por chegar atrasado na aula. Mas, mesmo que eu não tivesse usando nada para tapar minhas vergonhas, ninguém me notaria. Outra coisa estava atraindo a atenção de todos naquela manhã.
O tempo pareceu congelar diante dos meus olhos, me tornando parte daquele ambiente inanimado. Me senti perdido em minha mente confusa, incapaz de saber se o que via era real ou mais um angustiante pesadelo, como quando tive certeza de ter visto a caixa, com o número vinte e três cravado na tampa, no quarto do meu pai. Na parede, acima do principal corredor da Broken, bem de frente para o pátio de entrada, um desenho feito com tinta em spray preta:
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Conectados
Mystery / ThrillerOs namorados Oliver e Eloise se encontram no meio de uma trama de misteriosos sonhos envolvendo o número vinte e três. Ao tentarem descobrir o motivo pelo qual os sonhos, aparentemente desconexos e inexplicáveis, estão os perturbando, eles descobrem...