SEIS - Parte Um

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    Tenho que falar com o Oliver

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  Tenho que falar com o Oliver. Contar o que aconteceu na igreja. Preciso encontrá-lo. Agora.

***

  Desde que minha mãe morreu, quando eu tinha oito anos, no acidente de carro enquanto voltávamos das férias de verão no sítio da minha avó, eu criei um certo bloqueio entre mim e o maior enigma da vida: a morte. Sei o quanto o fato é inevitável, principalmente para quem possui uma vida: a única e principal condição para a morte acontecer. Mas inconscientemente, tento me manter longe, confortável.

  Na manhã em que Eloise e eu encontramos Alexandra na escola e ela contou sobre a morte do Thomás, as lembranças da minha mãe, com o rosto lavado por sangue e cacos de vidro, dizendo que me amava e logo em seguida se petrificando com os olhos fixos nos meus por quase uma hora até o resgate chegar e nos libertar do carro amassado, ressurgiram em minha mente como uma fênix renasce das cinzas.

  Eu gosto da Alexandra, sinto e entendo sua perda, mas ir até o velório só iria me deixar pior.

  Então fiquei em casa. Passei a tarde revisando alguns assuntos da escola. Depois pesquisei mais sobre o número vinte e três, significados de sonhos e outra infinidade de coisas que talvez pudessem me levar à alguma conclusão sobre os sonhos com o número. Não cheguei à lugar nenhum.

  Depois de tomar banho, fiz um sanduíche com algumas fatias do pão que sobrou do café da manhã, alface, tomate e um resto de frango desfiado que encontrei na geladeira; a sensação foi de ter achado um tesouro! Liguei a TV no canal de filmes e me dediquei inteiramente a comer e assistir.

  Saciado e relaxado, tinha acabado de mergulhar num profundo e reconfortante sono quando um barulho vindo do quarto do meu pai me acordou.

  Subi as escadas para ver o que tinha acontecido.

  Depois do acidente, meu pai ficou cinco meses em coma profundo. Sim, ele também estava com a gente no carro. Aquela tinha sido As Férias da família. Quando acordou, não lembrou nada do que tinha acontecido. Só conseguiu recuperar a memória aos poucos, e a partir do momento que percebeu que nunca mais veria minha mãe de novo, se deixou consolar por uma depressão obscura. Hoje nossa vida familiar é uma ferida aberta, um epílogo trágico depois do verão perfeito.

  Por sorte, Deus ou o destino, seja lá como chamem essa coisa, eu quase não me feri, fisicamente, no acidente. A única cicatriz visível estampa minha testa, meu lembrete suficiente do dia em que quase morri.

  O quarto do meu pai estava fantasmagoricamente mais frio que o resto da casa; talvez até mais que o resto da cidade. Ele estava sentado na cadeira da escrivaninha, com cabeça baixa, olhando fixamente para uma garrafa de uísque que tinha deixado cair no chão, se quebrando em alguns cacos grossos. Ultimamente passa a maior parte do tempo desse jeito. Sozinho e se afogando no álcool. Se matando aos poucos, querendo parar de sofrer.

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