Capítulo 6 - Sangue e água.

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O carro deslizava pelo asfalto da rua, o céu estava escuro, havia algumas nuvens rasteiras enquanto as estrelas brilhavam. A brisa tocava meu rosto enquanto eu olhava toda a vizinhança. O rádio estava ligado e tocava uma música que eu não conhecia.

Aline estava atenta em sua função, me encolhi no banco do carro, encostando minha cabeça próxima a janela olhando apenas para o céu, até que ela entrou a direita no que seria a avenida principal da cidade, percorreu por mais dois quarteirões até parar.

Desci do carro e olhei para a casa de varanda que rodeava toda a casa, havia samambaias e um balanço branco, algumas cadeiras de vime. As luzes estavam acessas, ela caminhou até a entrada e abriu a porta. Segui atrás dela, quando vejo uma criança a abraçando forte.

- Mamãe!

- Oi querido. Como foi o seu dia?

- Foi legal, papai me ensinou a empinar pipa...

- Foi? Que legal. Olha – ela apontou para mim e eu sorri.

- Tio Noa... – ele ergueu os braços e eu o peguei no colo. – Como esta a sua cabeça? Ainda dodói?

Não sei porque, meus olhos se encheram de lagrimas, tive um estalo e vi em minha mente algo que eu não consideraria ser possível de acordo com o quadro atual em que eu me encontrava.

- Você quer ter filhos? – dizia eu deitado com a cabeça no peito de Doug.

- Porque essa pergunta mirabolante agora?

- Porque você sempre fica com cara de bobo quando vê ele.

Ele dá um largo sorriso.

- Sim, seria perfeito ter filhos.

Silencio.

- Ei o que houve? – disse ele me olhando preocupado.

- Não posso te dar isso. – falei sem o olhar.

Como todas as vezes em que isso acontecia meus dedos brincavam uns com os outros de maneira impaciente. Ele segura minhas mãos e puxa para sentar em seu colo.

- Não importa se ele for biológico ou se ele for adotado, o que importa é que ele será nosso filho. É apenas isso o que importa.

Da mesma maneira que a memória surgiu ela sumiu de minha mente. O pequeno Lucas segurava meu rosto e me olhava.

- Porque está chorando tio Noa?

- Está tudo bem? – Aline me olha preocupada.

- Esta sim... – dou um largo sorriso e olho para Lucas – Só lembrei de algo Lucas...

- Foi algo ruim?

- Não foi muito bom... – disse rindo enquanto as lagrimas caiam pela minha face.

Aline pegou Lucas e eu fiquei parado sem acreditar que eu havia me lembrado de algo que havia acontecido. Uma lembrança. Eram tantas emoções ao mesmo tempo que não percebi que Lucas estava no colo do pai e Aline me olhava com cara de choro.

Era como se eu tivesse recuperado uma parte de mim, mas ao mesmo tempo o desespero tomou conta do meu rosto, o semblante de Aline mudou drasticamente, minha visão escureceu tão rápido que me perdi em meio a minha mente enquanto eu sentia meu corpo pender em direção ao chão.

- Vou gozar minha putinha.

Então sinto as veias pulsarem, e em seguida algo quente me encher e nessa sequência ele me aperta o pescoço com tudo o que tem, não existia mais ar. Meus olhos não aguentavam se manter abertos e pedi a Deus que eu morresse, e que tudo aquilo acabasse. Eu só queria ter paz e tudo o que eu ouvi em meus últimos momentos foi a voz de Caio.

- Noac!

Então tudo se foi em um fechar de olhos, mas por alguma razão meus olhos se abriram mesmo que por um breve momento. Havia agua no chão, meu rosto estava molhado, eu sentia o cheiro de sangue. Havia gritos abafados e um som oco de algo sendo socado.

Meu campo de visão era limitado, mas era Caio que estava em cima de alguém, eu via fúria em seu rosto, seus punhos fechados indo em direção a cara de Alex, mas ele não parecia o Caio. O rosto de Alex parecia inchado e ele não parecia estar lucido. Porque ele estava fazendo aquilo?

Ele iria mata-lo se ninguém fizesse algo, porque ninguém fazia nada para impedi-lo. Eu estava cansado e não tinha muitas forças, mas eu poderia juntar o que podia para impedir que houvesse algo que ele jamais se perdoaria. Então levantei meu rosto devagar.

- Noac – Aline parecia aliviado enquanto segurava meu rosto.

- Caio! – gritei.

Ele parou. Seus olhos foram de encontro aos meus, ele parecia ter voltado a si. Ele se levantou e caminhou até mim, seus olhos estavam encharcados, seu corpo fedia a ferrugem.

- Me ajude... – disse enquanto mais uma vez caia na escuridão.

Meus olhos se abriram devagar, Lucas estava do meu lado, segurava um urso em sua mão, ele parecia estar avaliando se eu estava bem ou não. Então pegou o urso e o colocou entre meus braços.

- Obrigado. – eu disse dando um leve sorriso.

- Tio Caio!

Ouvi pesadas fortes vindo em minha direção e logo em seguida o rosto de Caio. Ele estava com o mesmo semblante. Ele se postou ao meu lado, se sentando no chão e ficando da altura do sofá no qual eu havia sido colocado. Ele agradeceu a Lucas que saiu em direção a cozinha.

- Você nos assustou.

- Faço isso com frequência?

- Sim. – disse ele rindo.

- Aline?

- Está com o... Marido. Mas ela acha que eu sozinho dou conta de cuidar de você, mas se quiser você gritar que ela vem em dois segundos.

Acabei rindo.

- Eu vou esquecer de tudo de novo? – perguntei.

Ele ficou em silencio.

- Porque se dão ao trabalho de viver com alguém que esquece tudo quando dormi?

- Essa foi a pergunta mais simples que você já me fez nesses anos...

- Serio?

- Serio. – ele riu. – Mas não perdemos a fé em você, é a primeira vez em anos que você nos deu força de vontade para continuar.

- Dei...?

- Sim. Você teve uma lembrança e me chamou enquanto estava dormindo e ainda se lembra do que aconteceu mesmo depois de ter tido uma recaída. Pode demorar ou até mesmo nunca acontecer, mas não vou desistir. Não vamos.

- Não vai?

- Não. Que cara seria eu se eu desistisse da única pessoa que amei e amo até hoje? Desistir não é uma opção e mesmo que você não se lembre disso amanhã. Farei com que saiba de alguma maneira que eu sempre vou amar você independente das escolhas que tenhamos feito. Eu sempre Noac, sempre vou te amar.

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