Capítulo 7 - Marcas do passado

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Meus olhos se abriram, eu estava deitado em uma cama de casal e podia sentir que alguém estava do meu lado. Seu corpo era quente, seus braços estavam envoltos da minha cintura. Olhei para o relógio digital de números azuis que estava em cima do criado mudo.

Eu não estava em um lugar familiar, procurava em minha mente por algo que me ajudasse a lembrar. Mas a única coisa que eu conseguia me lembrar era do bilhete. Então minhas mãos tatearam o criado mudo até achar o abajur. Apertei o pequeno interruptor e a luz incandescente iluminou o criado mudo.

Em cima do relógio havia um cartão, meu nome estava escrito no mesmo. O peguei e o olhei atentamente e o abri. As letras que estavam nele eram minhas. O papel estava manchado por gotas que talvez fossem lagrimas ou qualquer outra coisa que eu poderia ter derramado sobre ele.

Mas porque eu escreveria algo para mim mesmo? O que eu deveria me lembrar? Me ajeitei na cama e retirei a mão que me puxava para si de forma protetora e assim que o fiz, ele se mexeu, mas ainda continuava dormindo. Seu rosto estava tranquilo enquanto eu o olhava atentamente.

Doug.

Eu estava confuso quanto ao que estava acontecendo até ontem ele... Ele. Olhei para o bilhete em minha mão. Algo fez com que minha barriga agisse estranhamente. Então respirei fundo e abri o cartão e comecei a lê-lo.

Querido Noac, eu sei é estranho estar falando comigo mesmo. Mas aposto que deve estar com várias perguntas, mas espero poder ajudar me ajudar mesmo que seja de uma forma tão insignificante.

Quando me deitei hoje eu sabia quase tudo o que precisava para poder viver, mas o problema é que quando eu durmo todas as lembranças se vão. Se estou lendo este bilhete provavelmente aconteceu novamente.

Eu tenho Amnésia psicogênica que é uma amnésia temporária que ocorre devido a traumas psicológicos e que pode se caracterizar na dificuldade para se lembrar de fatos recentes quanto a dificuldade para se lembrar de fatos anteriores ao trauma, a memória quase sempre volta dias após do começo da amnésia, em raros casos, o paciente perde a memória de alguns "trechos" de sua vida permanentemente.

E é isso o que acontece toda vez que fecho os olhos, minha mente apaga tudo. Esse ao meu lado é Doug, mas eu devo saber disso obviamente, mas o que devo saber é que ele é meu marido. Eu sei é surreal. Mas estamos casados a quatro anos. E Aline tem um lindo filho, Lucas. Ela é casada, mas não conheci o sortudo. E tem o Caio, ele se declarou para mim ontem e sempre está por perto, sempre cuidando de mim.

Sei que é muita informação, mas houve dois momentos que recuperei algumas lembranças e isso pode ser algo bom, pode haver uma chance para me salvar. Então toda noite antes de dormir, escreverei um bilhete lembrando a mim mesmo que eu sou e como está a minha vida, até que um dia eu não precise mais deles, ou apenas que eu consiga ter uma vida o mais normal possível.

Com amor, a mim mesmo.

As lagrimas caiam pela minha face então sinto seus braços me envolverem. Ele me aconchega em seu corpo quente e acaricia meu rosto.

- O que houve amor? Está tudo bem? – disse ele com a voz sonolenta.

- Está tudo bem... – digo me aconchegando em seu peito.

- Tem certeza?

- Absoluta. – olho para o quarto e fecho os meus olhos e em algum momento eu adormeci.

A luz do sol adentrava pela janela do meu quarto, meu corpo sentia a colcha da cama macia e meu olfato o cheiro que Doug deixava na cama. Por alguma razão que somente Deus conhecia eu estava conseguindo manter minhas lembranças recentes.

Levanto-me da cama e olho para o espelho. Eu tinha mudado nos últimos quatro anos, havia encorpado e exibia músculos, nada excessivo, minha barriga tinha gomos. O que me fez rir. Eu estava muito gato como diria Aline.

Estava apenas de samba canção quando senti o cheiro de café. Sai do carto e desci as escadas e entrei na cozinha. Caio estava no fogão, o cheiro de ovos mexidos inundava o lugar.

- Ah, bom dia. Dormiu bem? Precisa de ajuda com algo? Se sente perdido?

Olhei para ele e ri.

- Só porque tenho amnesia não quer dizer que eu tenha que reiniciar tudo.

Ele me olhou espantado. Seu rosto parecia esboçar um sorriso de felicidade.

- Espera, você se lembra de tudo? – neguei com a cabeça. O sorriso dele se desfez aos poucos. – Então do que se lembra?

- Do básico, que sou casado com o Doug e que Aline tem um filho e que você passa muito tempo cuidando de mim.

- Não é nada de mais...

- Claro que é...

Ele pegou o ovo mexido e o colocou no prato que estava na bancada. Me olhou e logo em seguida olhou para o prato que tinha um pão com presunto e mortadela, um copo de café com leite e um copo de suco que pela cor e aparência poderia ser de goiaba.

- Não preciso dizer não é?

- Nem um pouco. – ri e me sentei para comer.

Eu estava deitado na cama, o sol estava alaranjado e começava a descer no horizonte quando Doug chegou, eu estava lendo um livro que havia encontrado esquecido em uma caixa velha no sótão com minhas inicias a primeira pagina.

- Oi – disse ele sorrindo – Como foi seu dia? – seus lábios tocaram minha testa.

- Foi tranquilo. Caio e Aline passaram por aqui.

- Que ótimo. Caio fez o café da manhã e Aline trouxe o seu almoço?

- Isso mesmo. – disse sorrindo.

- Então se troque que a responsabilidade do jantar é minha. – disse sorrindo.

Levantei-me e segui para o criado mudo, coloquei o livro na primeira gaveta e vi um relógio prateado no fundo, o peguei e o coloquei no pulso então fiquei paralisado.

- Algum problema? – a voz dele ecoou em minha mente.

Meus olhos estavam presos no meu pulso. Havia a marca de um corte, a linha branca seguia de uma ponta a outra. Meus olhos percorreram mais acima e pude ver que havia varias marcas em minha pele.

- Eu... – olhei para Doug que já estava do meu lado.

- Eu estou aqui. – ele me abraçou.

- Eu... Eu me...

- Não se preocupe com nada eu vou sempre cuidar de você, não importa as escolhas que você tenha feito.

Um estalo.

- Sim. Você teve uma lembrança e me chamou enquanto estava dormindo e ainda se lembra do que aconteceu mesmo depois de ter tido uma recaída. Pode demorar ou até mesmo nunca acontecer, mas não vou desistir. Não vamos.

- Não vai?

- Não. Que cara seria eu se eu desistisse da única pessoa que amei e amo até hoje? Desistir não é uma opção e mesmo que você não se lembre disso amanhã. Farei com que saiba de alguma maneira que eu sempre vou amar você independente das escolhas que tenhamos feito. Eu sempre Noac, sempre vou te amar.

Meus olhos se encheram de lagrimas e olhei desesperado para Doug.

- O que eu fiz? Que escolha eu fiz para ter isso! – apontei as marcas em meu pulso, enquanto ele apenas me abraçava e tentava me acalmar.

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