Capitulo 3 - O bilhete

10K 792 378
                                    

Aline olhava para o pequeno pedaço de papel e o lia atentamente. Seus olhos me encaram e voltavam a ler o bilhete.

– Eu não posso acreditar.

– Você não pode acreditar porquê? – eu disse ultrajado.

– Estamos falando do Doug querido. Volta para o armário que essa história está boa demais para ser verdade.

– Claro que não, então porque ele teria ficado comigo?

– Opa querido olha a palavra "ficar". Ele ficou no seu quarto longe de sua pessoa.

– Onde ele deixou o bilhete. – disse confiante.

Aline revirou os olhos.

– Meu querido viado...

– Whats? – a interrompi.

– Shiii... – disse ela rindo - Eu quero realmente acreditar que ele mesmo que fez o bilhete. – sua face ficou seria. – Mas não quero que você sofre, você é muito ingênuo na maior parte do tempo meu amor.

– Eu não sou ingênuo?

– Ah não... fala o garoto que achou que o filho do chefe do seu pai estava afim de você quando ele queria apenas se enturmar. Além dele ser um clássico homofobico. O que você fez mesmo naquela época? Se heterizou? – ela gargalhou alto.

Lancei a almofada em sua face e me sentei na cama.

– Só pode ser ele.

– Ou uma brincadeira de muito mal gosto.

– Só tem uma forma de tirar essa história a limpo.

– E como seria pequena donzela?

– Será que dá para parar.

– Ok, ok, Pessoal. – ela deu um sorrisinho e se postou ao meu lado – Vamos pequena Rapunzel...

– Rapunzel?

– Ironia meu caro. A ironia.

Quando eu estava em cima da minha bicicleta minha mente voava em diferentes direções, era como se eu me sentisse livre de todos os meus medos. E já tive muitos. Que adolescente não quer ser aceito no meio social escolar. Mas nada estava ao meu favor. O primeiro fato: eu era gay. Então não entendia de esportes porque os mesmos não me interessavam, então eu não tinha amigos, tipo homens. Sempre me dei melhor com as meninas, mas quando os rumores começam de que eu era "gay" me afastei para que tudo parrasse, não funcionou muito bem e a única garota que se aproxima de mim é a Aline.

Talvez ela veja em mim uma piada secreta que eu não saiba, porque Aline é popular. Isso mesmo, líder de torcida e a única garota cujo minha mente é legível. Ela tinha várias amigas, e por mais que as tivesse não me abandonava. O segundo fato: Sou feio. Aos que não sabem somos secretamente induzidos a seguir o padrão de beleza. No meu caso não sei se uma cirurgia plástica iria me ajudar.

Peso em torno de 60kg e tenho 1,73 de altura. Cabelo curto e negro. Não faço o porte atlético, mas anoréxico. Tentei de todas as formas possíveis mudar isso, mas não consegui então me aceitei do jeito que eu sou. As garotas são levadas a se interessarem pelos garotos por dois motivos pelo qual foram criadas.

Corpo: garotas como as lideres namoram caras do time porque eles são fortes e maiores. Colocando isso na tabela feminina esse tipo de cara vale um ponto. Beleza: garotas brigam pelos caras mais bonitos e só a mais bonita entre elas ficara com o cara mais bonito do time, isso na nossa tabela vale dois pontos.

Agora se o garoto tiver os dois, corpo e beleza ah meu amigo, ela tem cinco pontos e dependendo do que o garoto seja no âmbito escolar isso pode lhe atribuir pontos extras, por exemplo se ele for o líder do time você ganha mais três pontos por isso e consequentemente você vira a líder das garotas. O resto dos garotos que ficam fora desse padrão não valem nenhum ponto então não são namoráveis.

Para os meninos as coisas funcionam de um jeito menos reducionista e mais simples: Gostosa e Baranga. As gostosas, são as garotas mais bonitas, corpos esbeltos que encaixam no padrão de beleza, as que passam fome e tem distúrbios alimentares, algumas são depressivas, outras se fingem de burras para que o cara pareça ser mais inteligente. E temos as barangas, as que não se encaixam na perfeição. Que tem bulimia, desenvolvem anorexia, problemas psicológicos e em alguns casos chegam até o suicido.

Nós fomos criados para seguir o que a massa de consumo nos diz para fazermos. Temos o tipo de corpo ideal, de beleza ideal, de vida ideal. Tudo baseado no consumismo desenfreado. E é claro inclusive nos os não namoráveis somos obrigados a sonhar com a perfeição. Pessoas que são como nos não rejeitadas, porque ser feliz é ter alguém bonito do lado. Essa é a realidade cruel da vida escolar e que vai permear por toda a nossa vida.

Alguns conseguem se encaixar nos padrões e após fazer isso dispensam qualquer feio, mas se esquecem que já foram feios. Digo a mim mesmo que estamos em uma sociedade hipócrita. Tento lutar contra, mas é mais forte que eu. Tenho uma queda por garotos brancos e de barba, e s vier com tatoo melhor ainda. Estou sendo influenciado ate quando eu não quero.

Quando finalmente paro estamos em frente ao colégio. Todos estavam sentados na grama e aproveitavam o sol. Doug já estava lá, sentado em cima de uma mesa conversando com os amigos. Ele se virou rapidamente e me viu e acenou em minha direção. Aline se aproximou e me cutucou.

– Olha só.

– Eu disse a você. – falei com um sorriso no rosto.

– Eu não acho... – Aline olhou em direção a Doug e seus amigos – Será que é o que estou pensando... – disse ela intrigada.

– Vou falar com ele.

– Whats?

– Foi você mesma que disse que eu deveria ter certeza de que era ele.

– Eu não disse isso. – disse ela se postando na minha frente – Você esta louco? Isso não vai da certo. Te preserva mana.

– Essa pode ser a minha única chance.

– Claro que não. – disse ela enquanto eu caminhava em direção a ele.

Meu coração batia mais rápido em um ritmo anormal. Parecia que algo estava preso dentro da minha barriga enquanto eu caminhava até o acumulado de garotos. Doug sorria enquanto falava e quando notou a minha presença me olho nos olhos.

– Esta tudo bem?

Silencio.

Todos me olhavam e esperavam por alguma resposta à pergunta de Doug. Minhas mãos seguravam as alças das mochilas com força, estas suavam de forma nervosa.

– O gato comeu a sua língua vi... – disse um dos garotos.

– Guilherme! – ele olhou com a cara fechada para o garoto e ele fechou a boca antes de que terminasse a palavra – Esta tudo bem Noac, você parece que não esta muito bem. Porque não ficou em casa?

– Por isso. – puxei o bilhete do meu bolso e o entreguei.

Doug olhou para o bilhete e me olhou de volta.

- Noac... É como eu posso te dizer isso...

Um dos garotos que estava atrás de Doug grita:

- Hahaha! O viadinho ta apaixonado pelo Doug!

Todos começam a rir alto. Meus olhos ficam assustados, poso ver eles pelos olhos de Doug. Meus pés devagar se movem para trás.

– Desculpa seu bosta mas lee não come cu de viado. Procura alguém que goste de te fuder frutinha!

– Quer um pau sua puta? Porque não vai pra esquina?

Senti mãos me empurrarem. Lagrimas caiam devagar pelo meu rosto. Eram tantos olhos, tantas piadas. Quando me virei, vi Aline correndo em minha direção e quando me pus a correr, senti meus pés tropeçarem em algo e meu rosto ir de encontro a lama.

– Calem a boca seus idiotas! – Aline gritava.

– E vai fazer o que Aline? Deixa esse viado de lado, volta para galera legal.

– Vocês me enojam.

Então senti suas mãos me puxar. Ela não disse nada, mas seu olhar perguntava se eu estava bem, mas as lagrimas em meu rosto diziam tudo. Ela me puxou para longe, mas ainda era possível ouvir todas as palavras e risos. Eu fui um burro e agora seria motivo piada em toda a escola.

Surreal | Romance BLOnde histórias criam vida. Descubra agora