Capítulo Onze

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02/03/99

Ainda não consigo acreditar que estou aqui, que realmente consegui convencer minha mãe a me deixar fazer a faculdade em São Paulo. Só de estar longe dela e daquela casa onde passei toda a minha vida, me sinto melhor. Aquele deveria ser o meu lar, mas é o lugar que mais detesto no mundo.
Já faz um tempo que me obriguei a parar de questionar as atitudes da Leocádia, porque ela era tão diferente das outras mães. Então, só irei aproveitar e me divertir, porque esse é só o início da minha liberdade.

25/03/99

Esse tempo em São Paulo tem me feito tão bem, acho que vir pra cá foi a melhor decisão que já tomei. E apesar de que começar o curso de arquitetura ter sido um impulso, eu estou amando as aulas!
Mas a arquitetura não é a única coisa que capturou a minha atenção. Eu estou completamente encantada pelo cara mais gato da faculdade: Henrique Andrade. Ele cursa administração, um futuro empresário.
Mas eu o quero e vou ficar com o Henrique, ou não me chamo Liliane Santana.

02/04/99

Apesar de ter passado tantos anos da minha vida trancada em casa, eu não sou como essas meninas que tem problemas em se relacionar com outras pessoas. Eu me descobri uma garota que faz amizades facilmente e que adora uma boa aventura.
O problema é que essa garota divertida some quando o assunto é Henrique, eu não tenho a mínima coragem de me aproximar dele. Simplesmente travo.
Mas esta noite o jogo vai virar! Alguns dos meus colegas vão pra um barzinho hoje à noite e o Henrique também foi convidado. Esta será a minha chance!

03/04/99

Ainda bem que hoje é sábado e não tenho que ir a faculdade. Só quero ficar deitada e esquecer a noite de ontem.
Henrique apareceu acompanhado por uma loira que mais parecia uma modelo. Sério, como não passou por minha cabeça que um homem tão sexy como ele não teria uma namorada? Mas que burra!

08/04/99

Descobri uma coisa hoje que renovou minhas esperanças em relação ao Henrique.
Depois que saímos da faculdade, a Ju, a Ester e eu fomos a uma lanchonete próxima dali e, adivinhe quem chegou minutos depois? O gato de olhos negros!
Eu estava de costas pra mesa onde ele estava com os amigos, mas o que denunciou sua presença foi a Ester que, "disfarçadamente", cutucou a Ju. Eu me virei e lá estava ele com os olhos cravados em mim.
As meninas me contaram que na sexta, mesmo estando com a namorada, Henrique não tirou os olhos de mim. E o mesmo aconteceu na faculdade durante os últimos dias.
Ele está interessado em mim, agora sei disso.

10/04/99

Agora que sei que não sou a única interessada aqui, as regras do jogo mudaram. Eu vou provocá-lo e fazê-lo terminar com aquela namoradinha. Henrique será meu.
Como dizem por aí, no amor e na guerra vale tudo, inclusive usar o primo do cara que você está afim só pra provocá-lo. Leo é um cara legal, está interessado em mim e não é comprometido, mas, infelizmente, não é ele quem eu quero.

Fechei o diário abruptamente e me deitei de costas na cama. Encarei o teto, como se ali fosse encontrar as respostas que eu precisava. Talvez fosse melhor eu não ler mais isso, eu não estava gostando das atitudes de minha mãe e algo me dizia que as coisas só piorariam.

Mas que droga! Me recriminei. Eu preciso deixar de ser fraca. Tenho que saber o que realmente aconteceu e provar que ela não traiu o meu p... o Henrique, quer dizer. E daí que essa Lili era diferente da mulher que me criou? Ela era apenas uma garota que só queria aproveitar a vida, não há nada de anormal nisso.

Okay, decidi. Tenho que ir até o fim dessa história. Tateei com a minha mão até que encontrei o diário. Em seguida, deitei-me de bruços e o abri, já procurando a parte em que eu tinha parado.

Descobri que minha mãe passou a "namorar" com o Leonardo e, mesmo sabendo que ele estava se apaixonando por ela, continuou a usá-lo para provocar ciúmes no Henrique. Mas ela fez algo ainda pior.

22/06/99

Henrique é tão frustrante! É tão óbvio que ele está apaixonado por mim, mas ele continua irredutível. Tão fiel à doce Amanda, sua namorada desde o colegial. Seria lindo se não fosse trágico.
Mas eu tenho uma carta na manga. Já tinha percebido que a loira é fraca pra bebida, mas só hoje tive a ideia de usar essa fraqueza ao meu favor.
Esse namoro acaba ou eu não me chamo Liliane Santana.

24/06/99

O pessoal organizou uma pequena comemoração num sítio aqui próximo, o momento perfeito para eu colocar meu plano em prática.
Já está tudo planejado! Eu só preciso distrair o Henrique e o Pedro vai se encarregar do resto. Só espero que esse idiota faça tudo direitinho ou ele não vai ver a cor do meu dinheiro.

25/06/99

Se eu soubesse que ia ser tão fácil me livrar da Amanda, já teria feito isso antes...
Nem precisei tirar o meu gato de perto dela, pois, assim que chegaram no sítio, cada um foi pro seu lado.
O Pedro logo se aproximou da loira com dois copos de cerveja na mão... Não demorou muito pra que ela ficasse completamente bêbada.
Logo, eu fingi estar passando mal e o Henrique, tão cavalheiro, me conduziu até um dos quartos da casa para que eu me deitasse um pouco e... que grande surpresa encontrar a Amanda se agarrando com o Pedro lá dentro!
A coitadinha deve estar com uma ressaca daquelas, ainda mais depois que perder um homem como o Henrique.

Não é preciso adivinhar os acontecimentos seguintes. Minha mãe conseguiu fisgar o Henrique, é claro, passaram-se meses com ela contando como o relacionamento dos dois ia de vento em popa. Quando ela ficou grávida, Henrique trancou a faculdade e começou a trabalhar. Meu padrasto, aparentemente, aceitou bem a relação dos dois e assim os meses se passaram. Mas toda essa felicidade não durou muito...

31/12/2000

Sinto como se meu coração estivesse sangrando, mas não posso fraquejar. Não quando há um ser tão indefeso que precisa de mim.
Parece difícil de acreditar que, há apenas alguns dias, eu estava experimentando a mais pura felicidade. Como eu não pude enxergar o lobo em pele de cordeiro que é o Leonardo? Ele passou mais de um ano fingindo que apoiava ao primo e a mim, mas durante todo este tempo só guardou ressentimento. E quando teve a oportunidade, me drogou e me levou pra cama. Eu estava tão confusa quando acordei e me vi deitada, com apenas um cobertor sobre mim, e um Henrique lívido me olhando da porta do quarto. Foi quando percebi que aquele monstro também estava deitado lá. Naquele momento, não entendi aquela situação, nem estava processando o que estavam gritando um com o outro, mas lembro perfeitamente do olhar que o Henrique me lançou antes de sair dali. Um olhar cheio de dor, mágoa, decepção.
Aquela foi a última vez em que coloquei os meus olhos sobre ele.

Mesmo mal conseguindo enxergar as palavras à minha frente, continuei lendo. Li até me deparar somente com páginas em branco. Então, fiz a única coisa que era capaz de fazer neste momento. Fechei o diário, empurrei para debaixo do travesseiro e me deitei em posição fetal, sem conseguir conter as lágrimas que caíam por meu rosto. Lágrimas de dor, raiva, decepção, lágrimas de uma garota que se sentia como se toda a sua vida tivesse sido uma grande mentira.

Um Pai em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora