Capítulo Quatro

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Camila

Quando eu era criança sonhava que um dia meu pai iria aparecer e levaria a nós duas para bem longe, sonhava que um dia o Leonardo não poderia mais nos machucar. Mas agora você está morta, mamãe. O meu padrasto está em coma, mas pode acordar a qualquer momento. E eu não tenho um pai que possa me proteger dele.
Os adultos não deveriam nos ensinar que o bem sempre vence no final, isso é uma mentira. Você era boa, a pessoa mais bondosa que já conheci, mas isso não a protegeu. O que será de mim?

- Camila - desviei os meus olhos do lugar onde minha mãe havia sido enterrada. Todos já tinham saído do cemitério, exceto minha avó. Seu olhar era... o quê? Carinhoso? Isso era impossível vindo da dona Leocádia.

- Nós temos de ir, minha querida. Marcos deixou as suas amigas lá em casa. Ele já está de volta para nos levar. - franzi o cenho, mas a acompanhei em silêncio.

Ao invés de ir sentar no banco da frente, ela sentou-se comigo atrás. Passamos a viagem em silêncio, ela parecia estar perdida em seus próprios pensamentos.
Assim que paramos, saí imediatamente do carro e entrei na casa. Escutei vozes vindas da cozinha, mas ao invés de ir para lá subi para o meu quarto. Fui até o criado-mudo e abri sua gaveta, por cima de todos os papéis estava a fotografia. Peguei ela e deitei-me na cama, a observando. Eu havia tirado essa foto no Natal passado, nesse mesmo quarto onde eu estava.

Flashback on

Olhei o relógio, já era 1:15 da manhã, acho melhor ir dormir se não quero acordar tarde amanhã. Olhei para o livro que eu havia acabado de fechar, não custava nada ler só mais um capítulo, não é? Mordi o lábio inferior, eu tinha que ir dormir, não queria o Leonardo falando que eu era uma preguiçosa. Mas só faltava 50 páginas!

- Se eu fosse você iria dormir - assustei-me ao ouvir a voz da minha mãe - o final de 1984 só vai deixá-la ainda mais sem sono.

Ela estava na porta do quarto, encostada no batente. Vestia um roupão vermelho que a cobria até os pés, seu cabelo estava solto e ela tinha um sorriso doce no rosto. Era um daqueles raros momentos em que não havia nenhum traço de tristeza em suas feições. Rapidamente, peguei a câmera que estava em cima do criado-mudo e a fotografei.

- Ei - reclamou. Ela caminhou até mim e pegou a câmera. - É, está bom. - comentou, enquanto observava a foto.

- Bom? - perguntei debochada.- Você está linda, incrível, deslumbrante.
Ela gargalhou.

Flashback off
(...)

Abri os olhos, mas os fechei imediatamente ao sentir a luz forte da lâmpada me atingir. Tateei na cama, até encontrar o meu celular. Pisquei e os meus olhos saltaram de surpresa ao ver que já eram 23:57. Senti o meu estômago reclamar e resolvi descer para comer algo, não me alimentava desde o almoço. Desci as escadas silenciosamente e fui direto para a cozinha. Comi pão com mortadela e um suco de goiaba, depois de satisfeita lavei o copo e, como não estava com sono, fui até a biblioteca.

O cômodo não era exatamente uma biblioteca, mas sim um escritório. Mesmo assim, eu tinha permissão da minha vó para ler qualquer livro de lá. Eu entrei sem olhar dentro do cômodo e fechei a porta, mas ao me virar fiquei surpresa ao ver que minha avó estava ali, sentada na cadeira, atrás da mesa cheia de papéis e documentos.

- O que está fazendo acordada uma hora dessas? - perguntou calmamente.

- Ah... desculpe, eu... não sabia que estava aqui. - respondi sem jeito.

- Não estou a recriminando, Camila. Pensei que estivesse bastante cansada, foi um dia bem cheio. Você sequer desceu para jantar. - Ela chama o dia em que enterramos a minha mãe e filha dela de "bem cheio"?

Um Pai em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora