Retaliação

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Foi uma sensação estranha, um sentimento incomum, se eu pudesse descrever como algo que todos entendam eu diria que foi como um polvo,  como segurar um polvo,  aquela sensação gelatinosa, frágil, não sei se isso vai fazer sentido mas foi assim,  me senti frágil, fraca, como um peixe fora d'água exposto ao sol,  me senti indefesa e insignificante, nunca imaginei ser traída dessa forma e nunca,  nunca imaginei ver uma faca atravessando meu peito, fiquei estática esperando a dor ou algo como a sombra da morte ,mas não senti ou vi nada, rapidamente eu olho pro meu peito em busca da ferida, mas não há ferida, sim,  a faca atravessou o meu coração, essa é exatamente a palavra " atravessar " , ela atravessou direto,  sem deixar feridas, a sensação gelatinosa que eu descrevi pelo visto foi o meu despertar, olho pro meu braço direito e vejo um brilho azul que aos poucos tomava a forma de um tubarão martelo tomado por um tsunami em um azul marinho estonteante, junto com a marca veio meu poder, intangibilidade, seria um momento legal, ou até incrível se minha vida não estivesse correndo perigo,  parada estática segurando uma faca atravessada em meu peito estava Alice com um rosto chocado,  esqueci de tudo,  despertar,  faca,  intangibilidade, a única coisa que me importava era o ódio e a vingança, involuntariamente meu braço se move,  remove a faca da mão dela e em uma fração de segundos a faca estava cravada na barriga de Alice, seu sangue traidor escorria através da ferida em seu abdômen.

— Como... - dizia alice ofegante - Não... Pode...  Ser.

— EU ACREDITEI EM VOCÊ - chorava de ódio enquanto gritava a plenos pulmões - VOCÊ ME ENGANOU, VOCÊ... VOCÊ ME TRAIU.

Não houve réplicas, não houve respostas, somente um sorriso debochado e a morte. Rapidamente diversas garotas me cercaram,  muitas outras mantinham meus amigos presos,  três ninfas seguravam John com gritos sonicos, dava pra ver Jhon agonizando, para um lobisomem com uma audição tão aguçada isso deve ser o pior tipo de tortura, eu tive minha vingança, o que nos resta agora é a morte.

A passos lentos Marjorie se aproximava de mim, dava pra sentir a fúria da rainha pela morte de sua subordinada.

— Garota teimosa - Marjorie cuspia as palavras com ódio - porque não aceitou a morte logo de uma vez, graças a você uma de minhas melhores Nereidas está morta, olhe bem o que sua teimosia causou, sua humana porca.

Olho pra baixo pro corpo no chão e noto que não está da forma como eu vi da última vez, o corpo no chão não era o mesmo, era outra garota, uma das nereidas do grupo de Alice, como? Outra ilusão ? Olho pra frente e ao lado de Marjorie eu vejo Alice sorrindo com os olhos fixos no meu rosto surpreso.

— Achou mesmo que eu ia te dar o prazer de me ver morrer, Lucy? - dizia Alice zombeteira e triunfante - sempre soube que os humanos eram tolos mas nunca imaginei que fossem tanto.

— EU TENHO NOJO DE SER DESCENDENTE DE VOCÊS - gritava furiosamente - VOCÊS SÃO MÁS, TRAIÇOEIRAS... UM BANDO DE PUTAS.

— CHEGA - gritou Marjorie - Seu tempo no mundo dos vivos se esgotou, já me causou problemas demais, a faca pode não ter funcionando mas seu sistema nervoso não é intangível, sabemos muito bem como lidar com nossos poderes.

A frase de Marjorie foi seguida de um som baixo como um assobio mas o efeito era devastador, eu sentia como se uma bomba atômica estivesse explodindo no meu cérebro, aos poucos a sensação gelatinosa foi se desfazendo e da mesma forma eu senti meu corpo voltando a ser o que era,  um corpo  físico novamente , algo que agora poderia ser alvejado por qualquer coisa, principalmente pela adaga que Marjorie segurava, pequenos relances de movimentos e a adaga estava próxima ao meu crânio... A adaga parou rente a minha cabeça pois um ruído alto como um trovão se espalhava pela cidade, quatro portais espalhados pelos pontos cardeais surgiram em volta de Villaqua e de dentro deles centenas de homens de preto armados , e no portal a minha frente via-se Nightmare me olhando e segurando um rifle.

— Yo lucy,  quanto tempo - dizia Nightmare sorrindo - viemos resgatá-los, desculpe o atraso,  muito engarrafamento.

— Sinceramente, nunca estive tão feliz de vê-lo - em movimentos rápidos eu desarmei Marjorie, joguei ela ao chão e rapidamente cravei a adaga no peito dela - Parece que o jogo virou vossa alteza.

A adaga atravessou o peito dela da mesma forma que atravessou o meu, intangibilidade , havia me esquecido desse detalhe , Marjorie não era rainha a toa, ela era poderosa,  ela levantou em movimentos rápidos e retirou a espada do chão e novamente atacou minha mente com aquele som perfurante,  cai sem forças com as mãos nos ouvidos mas de repente o som parou, quando recobrei meus sentidos vi que quem estava no chão dessa vez era Marjorie e não eu.

— Criamos um aparelho para lidar com essas ninfas barulhentas - dizia Nightmare olhando pra mim - Chama-se Sirenproof, ele cria uma frequência de som inversa ao grito sonico das ninfas,  é como um escudo , nos protege do som delas e devolve como um reflexo de luz num espelho, estava louco pra testá-lo.

— Nightmare... - nunca na minha vida imaginei fazer o que eu fiz mas por reflexo eu corri,  corri pra abraçar o homem a quem eu mais odiei nos últimos dias - Por que? Por que veio por nós?

— Porque eu amo vocês,  sei que é difícil acreditar mas é por isso que vim resgatá-los - Nightmare sorria, um sorriso verdadeiro, não como os sorrisos debochados que estampavam a face dele atrás daquele balcão na sala branca, mas da mesma forma que o sorriso veio, ele se foi dando lugar a uma expressão de horror - CUIDADO.

Em um piscar de olhos Nightmare me jogou pro lado, só pude enxergar o brilho prata de uma adaga em movimento e o sorriso triunfante da rainha, ela lançou a adaga com a intenção de me matar mas a vítima acabou sendo outra, vi Nightmare cair com uma adaga cravada em seu peito,  sangue escorrendo pela ferida aberta em seu tórax.

— Parece que ela era mais forte do que eu pensava... - me ajoelhei ao lado dele,  o máximo que eu podia fazer agora era escutar suas últimas palavras - Lucy,  me conceda um último pedido...

— Claro - lágrimas rolavam pelo meu rosto, eu soluçava aos prantos por alguém que eu sempre achei que odiava.

— Ao menos uma vez,  me chame pelo meu nome - Nightmare hiperventilava, essas últimas palavras eram muito pra ele - meu nome é  Henry,  Henry... Marshall.

— Obrigado Henry Marshall , por tudo.

A vida de Henry se foi com um sorriso nos lábios , só me sobraram lágrimas , soluços e um irrefreável desejo de vingança, olho pra trás e não encontro a rainha, ela havia fugido, ciente da desvantagem em que se encontrava Marjorie fugiu, largando seu povo pra trás.

— Lucy - um soldado se dirigia a mim - vocês precisam partir,  a missão de vocês aqui já foi concluída

— Não, eu só saio daqui com o sangue e a cabeça de Marjorie em minhas mãos - peguei o aparelho de Henry no chão, com o Sirenproof nas mãos virei as costas e sai andando sem rumo, quando olhei pra baixo não havia mais areia,  ou chão, ou Villaqua somente as águas de Absea abaixo dos meus pés - eu vou achá-la, nem que seja a última coisa que eu faça.

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