Precisamos Conversar

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"O procedimento médico ocorreu como o esperado, todos os dois estão estáveis e, até o momento, reagindo bem às suas medicações. É esperado que Lucas, por ser o receptor, se recupere mais rápido que a Ana pois, mesmo que as complicações tenham sido mínimas, o doador passa por um processo mais agressivo para sua total recuperação.

- Então isso que o médico acabou de falar quer dizer que tudo ficará bem, certo? - Cellbit falou. Ele estava encostado na janela perto do elevador fitando o céu cinza e chuvoso lá fora.

- Sim. Acho que só temos que esperar e continuar rezando. - Luci confirmou. Ela estava na sofá branco e confortável daquela sala de espera fria.

- Quando o gringo vai chegar? - Júlio virou para Patrícia e perguntou.

- Hoje à tarde. - Pathy suspirou. Ela estava cansada, seu aspecto desleixado evidenciava as noites dos últimos dias que tinha passado em claro. - Vou pega-lo no aeroporto assim que o avião chegar.

- Isso é mau, muito mau. - Cellbit bufou - O que vocês pretendem falar para o Ian?

- Sobre o que? - Cocielo tirou o boné e coçou a cabeça - Eu, pelo menos, não tenho nenhum assunto para tratar com ele.

- Não se faça de desentendido, Júlio. Você e a Ana estão juntos, eu acho... - a voz de Rafael falhou - porém não deveriam estar, pelo menos não até se resolverem...

- Já está falando besteira, Cellbitos - O canalha foi até uma mesinha e se serviu um pouco de café de uma das garrafas térmicas que estavam lá - Como você queria que a Aninha resolvesse alguma coisa em uma cama de hospital?

- Eu não falo disso, eu...

- Vamos parar de discutir besteiras, sim? - Pathy cortou os dois - Eu estou cansada. Muito cansada.

- O que os dois cabras fizeram para deixar a moça bonita tão arisca? - Seu Nelson, pai de Ana, acabava de entrar na sala de espera.

- Nada não. - Pathy sorriu.

- Bom, eu acabei de falar com o doutor da Aninha e parece que está tudo bem - Ele estava claramente aliviado - Vou ligar para a Margarida para dar as boas novas...

- Boas novas? Que o procedimento da Aninha e do Luba correu bem? - Luci perguntou.

- Também, mas principalmente que ela e o meu genro aqui - andou até Cocielo e afagou seu ombro - Voltaram. - Abriu um enorme sorriso. - Quando vocês iam me contar? Tive que escutar atrás da porta para ouvir o juvenil ali - Apontou para Cellbit - falar que vocês estão juntos. - Fitou o Canalha.

- Er, não sei bem, Seu Nelson. - Júlio suava. - Eu imaginava que você não se agradaria muito da nossa situação, afinal, a Aninha ainda está casada....

- Com um gringo. - Gargalhou - É mesmo que nada. Não vejo a hora de ver um casamento de vergonha nessa minha família, acredita que a mulher do meu filho mais velho quis casar num barco? - Sua risada era estrondosa e divertida - É cada uma, viu?

- Ah, mas me parece adequado. Tem noiva que gosta dessas coisas. - Rafael disse, um pouco mais interessado na conversa.

- Olha bem para minha cara, criança, e vê se eu criei filho pra casar em frescuragem de porto, comendo peixe enfeitado e tomando bebida de gran fino... - Balançou a cabeça em negação - Ai me vem a outra - falou se referindo a Ana - e me leva lá pra puta que pariu para comer lavagem de gringo só para ela...

- Tudo bem, Seu Nelson, nós entendemos a sua indignação com o casamento da Aninha.  - Pathy falou fitando Júlio que parecia muito satisfeito com o discurso do pai de Ana - Mas o senhor não precisa se preocupar que o Cocielo já está com planos de pedir a Aninha em casamento.

- Claro. - Seu Nelson sorriu - Sempre soube que o rapaz aqui não me desapontaria.  Eu sei que pareço estranho para vocês, mas é que eu sou um rico com alma de pobre. Sou neto de pescador e filho de roceiro, ou seja, uma pessoa simples...

- Nós entendemos, sim, Seu Nelson. - Júlio riu - Por isso mesmo que no meu casamento com a Ana o senhor pode ter certeza que vamos dar um jeito de chamar o Wesley Safadão para tocar na nossa festa, só em sua homenagem.

- Eu posso dar um jeito nisso. - O cearense falou sem preocupação.

- Sério? - O canalha riu.

- Sim. Podem deixar isso por minha conta.

- Não, isso não pode ser sério... - Rafael protestou.

- Não está na hora do leite desde menino, não? - Seu Nelson fitou Patrícia - Acho que esse choro dele é fome.

- Ah, Seu Nelson, esse choro do Rafa já dura milênios. Uma hora o senhor se acostuma. - Pathy sorriu.

****

POV's Ian

Desembaquei exatamente às 20h no aeroporto. Carregava apenas uma mala pequena de mão, com duas mudas de roupa e meus documentos, o trabalho não me permitia ficar muito tempo em São Paulo, eu estava ali apenas para ver como Aninha estava. Esperei mais 20 minutos na expectativa que Patrícia, que me ofereceu hospedagem, aparecesse para me buscar.

- Hi?!

Estava em pé no meio da confusão do portão de desembarque quando aquela imagem magra e não muito amigável me sorriu nervosamente.

- Você? - Minhas mãos estavam molhadas de suor, o que ele queria?

- Já fala português, gringo?

Apenas balancei a cabeça em afirmação.

- Você estava esperando a Pathy, não era?

- Sim.

- Ela não vem.

- Não? - Tentei disfarçar a surpresa na minha voz - Tudo bem, eu acho. Não deve ser difícil encontrar um bom hotel por aqui. Com licença. - E passei para o outro lado tentando me distanciar dele.

- Não, cara. - Ele gritou na minha direção. - Nós precisamos conversar.

- Não, Cocielo. - Respirei fundo juntando todo o resto de vontade que eu tinha naquela hora - Eu não vejo porque conversar com você.

- É sobre a Ana, Ian. - Ele se aproximou - Nós estamos juntos.

MonoMania - Júlio CocieloOnde histórias criam vida. Descubra agora