As Rosas Não Falam

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MONOMANIA CAPÍTULOS FINAIS

01 RAFAEL E ANA

Os faróis dos carros que passavam por eles incomodavam os olhos desprotegidos de Ana. Ela fitava Rafael e ele apenas sorria de canto de boca sem saber o que falar, o ambiente no carro nunca tinha sido tão constrangedor.

- Para onde você pretende ir? – Ana disse ao ver o caminho que Cellbit estava tomando.

- Para casa?! – Aquilo parecia óbvio.

- Você quis dizer a casa do Júlio, né.

- Aninha, aonde mais você quer ir? – Rafa suspirou – Seu apartamento foi vendido e suas coisas estão todas na casa do Cocielo. Sério mesmo que você acreditou naquele papo furado da Mallu?

- Não era pra acreditar? – Ana desviou o olhar para a janela, fitando assim a rua movimentada. – Ela me pareceu convicta no que falava.

- Eu não confio nela. – Cellbit deu de ombros - Não viu a força que ela fez para desacreditar na pessoa boa que você é? E outra, prefiro que você converse com a Pathy e com o Júlio antes de tomar qualquer decisão. – Tentou sorri par anima-la. – A história de vocês dois já passou por tanta coisa, por tanta confusão...

Aninha parou alguns segundos pensando. Talvez Rafael estivesse certo, ela deveria parar de meter os pés pelas mãos e tomar as rédeas de sua vida.

- E se for verdade? – Ela disse com um aperto no peito.

- Bom, se for verdade você pode dar o troco com o garotão aqui – Gargalhou – Não, sério, Aninha, eu... Olha, eu não sei. Se eu soubesse quando foi e quais as circunstancias seria mais fácil para julgar algo assim. O Júlio e a Patrícia estão mais próximos, é verdade. Mas eles me parecem mais amigos que outra coisa, se algo aconteceu, posso afirmar que ficou no passado.

Ana confirmou com um aceno de cabeça, ficando em silêncio logo após isso. Rafael ligou o som do carro sintonizando uma rádio qualquer, essa que passava mais um dos sucessos de Wesley Safadão.

- Quero é ver quando vamos para um show do Safadão. – Ela riu esperando a reação do outro.

- Te juro, quando eu for para o show desse cara eu vou estar totalmente embriagado – Riu. -Nada contra, mas não faz o meu tipo.

- Ninguém está pedindo pra você...

Nesse momento um som ensurdecedor estourou nos ouvidos dos dois. Ana tentou virar em busca do barulho e ver o que estava acontecendo, mas não sentiu mais nada do que uma dor insuportável invadindo seu corpo. Rafael perdeu o controle do carro ao sentir um grande impulso contra ele, logo após ficar ciente disso, sua visão foi tomada por um clarão fazendo-o desmaiar.

***

Ao fundo um rádio velho tocava As Rosas Não Falam interpretada pela voz triste e suplicante do Cartola. Ana correu até a varanda da casa de taipa perdida no sertão cearense. A casa tinha apenas um cômodo e era tão baixa que quase chegava à altura do alto da cabeça de Aninha. O sol escaldante tornava o terreno mais amarelo e seco que os olhos viam, ao longe podia-se observar o calor tremeluzindo contra o solo amargurado. Contrastando com essa imagem pobre, Ana parecia risonha e satisfeita, ela estava levemente bela metida num vestido surrado e bege, este que balançava caladamente a cada movimento do vento quente e escasso dali.

A estática do rádio dificultava a compreensão da letra da música, apenas pela melodia dava para acompanhar o encantar de cada verso.

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim

Ana correu até o terreiro, de pés descalços. Parecia não ligar se seus pés queimavam ao toque do chão, ela buscava uma voz ao longe que lhe contava doces histórias todo dia àquela hora. Talvez tivesse perdido o juízo, mas era só fechar os olhos que uma voz consoladora lhe falava de dias melhores e de esperanças para o futuro. Bom, ela não entendia muito bem o que acontecia ali, afinal, só ela escutava aquela voz que lhe falava coisas que não faziam sentido algum para ela. Ana rodava em suas saias e fitava os rostos invisíveis daquelas pessoas que estavam paradas ao seu redor e elas, apesar de não terem rostos, não pareciam escutar a tal voz que ela escutava sempre.

- Aninha... Tudo ficará bem.

- Olá, voz. – Ela falou, mas em vão, a voz nunca lhe respondia diretamente.

- Seguiremos em frente, Ana. Não desista. Todos estamos aqui com você.

- Todos quem, voz? As pessoas sem rosto, você diz?

- Nada está perdido, Ana. Nada.

- Por que não me escuta, voz?

 Ela bufou e mais uma vez ficou sem resposta.

***

- Eu tenho certeza que ela me escuta. – Júlio falou. Ele estava agarrado à mão machucada e sem vida de Ana, ela estava imóvel, mas ele tinha certeza que ela poderia lhe escutar. – Estamos aqui com você, Aninha. Não desista. – Ele sussurrou no ouvido dela.

- Deveria parar com isso, Cocielo. – Pathy respirou fundo e enxugou os olhos úmidos – Não vê que isso te destrói mais ainda? Ela está em coma, ela não pode escuta-lo.

- Não. Você está errada.

Dois meses desde o acidente tinham se passado. Dois meses desde que uma carreta desgovernada batera no GOLF Cinza que Rafael dirigia. Dois meses. Dois meses... Rafael ainda estava internado, teve boa parte do corpo fraturado devido ao grande impacto, mas se encontrava consciente. Sua recuperação a cada dia era vista como uma vitória para os médicos. Todos afirmavam que dentro de poucos meses, se Deus assim quisesse, ele receberia alta e com a ajuda de profissionais logo voltaria a andar. Já Ana, graças ao impacto da carreta que foi proporcionalmente maior no lado onde ela estava no carro, estava em coma e nenhum sinal de melhora era sentido há semanas.

- Eu não posso ver você se matando assim.

Patrícia deu um abraço no amigo e bateu a porta, ela estava cansada. Eles tinham decidido mandar Tiê para a chácara dos avós no Ceará, apesar da dor dos pais de Ana, lá seria melhor para que a menina passasse esses dias sombrios.

- Eu sei que você pode me escutar, Ana. – Júlio deitou a cabeça ao lado do corpo frio de Ana e, mesmo cansado, começou a contar as histórias, que mesmo ele não sabendo, mantia a cearense viva e lutando para sobreviver. Ele era a voz quente que fazia parte dos sonhos dela.

MonoMania - Júlio CocieloOnde histórias criam vida. Descubra agora