Capítulo 7

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Cada qual trabalhava de acordo com sua capacidade. As galinhas e os patos, por exemplo, economizaram cinco baldes de trigo, na colheita, juntando os grãos extraviados. Ninguém roubava, ninguém resmungava a respeito das rações. A discórdia, as mordidas, o ciúme, coisas normais nos velhos tempos, tinham quase desaparecido. Ninguém se esquivava ao trabalho - ou quase ninguém. Ë bem verdade que Mimosa não gostava de levantar cedo e costumava abandonar o trabalho antes dos demais, sob o pretexto de estar com uma pedra encravada no casco. E o comportamento do gato era um tanto estranho. Em seguida notou-se que ele nunca podia ser encontrado quando havia trabalho por fazer. Desaparecia durante várias horas consecutivas e voltava a aparecer à hora das refeições, ou à tardinha, após o fim dos trabalhos, como se nada houvesse acontecido. Apresentava, porém, desculpas tão boas e rosnava de maneira tão carinhosa, que era impossível não crer em suas boas intenções. O velho Benjamim, o burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa da mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones. Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião. Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones se havia ido, respondia apenas "Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um burro morto", e os outros tinham que contentar-se com essa obscura resposta.
Aos domingos, não se trabalhava. A refeição da manhã era uma hora mais- tarde e, depois dela, havia uma cerimônia que se realizava todas as semanas, indefectivelmente. Começava com o hasteamento da bandeira. Bola-de-Neve achara, no depósito, uma velha toalha verde de mesa e pintara no centro, em branco, um chifre e uma ferradura. Essa era bandeira que subia ao topo do mastro todos os domingos pela manhã. O verde da bandeira, explicava Bola-de-Neve, representava os verdes campos da Inglaterra, ao passo que o chifre e a ferradura simbolizavam a futura República dos Bichos, cujo advento teria lugar no dia em que o gênero humano, enfim, desaparecesse. Após o hasteamento da bandeira, iam todos ao grande celeiro, para assistir a uma assembléia geral conhecida como "a Reunião". Lá planejavam o trabalho da semana seguinte e discutiam as resoluções. Estas eram sempre apresentadas pelos porcos. Os outros animais aprenderam a votar, mas nunca conseguiram imaginar uma resolução por conta própria. Bola-de-Neve e Napoleão eram sempre mais ativos nos debates. Notou-se, porém, que dois nunca estavam de acordo: qualquer sugestão de um podia contar, na certa, com a oposição do outro.
Mesmo quando, se resolveu - coisa que, em si, não podia sofrer a objeção de ninguém - que o potreiro situado além do pomar seria reservado para os animais aposentados, houve uma agitada discussão a respeito da idade de aposentadoria para cada classe de animal. A Reunião era encerrada sempre com o hino Bichos da Inglaterra, e a tarde destinava-se à recreação.
Os porcos reservaram o depósito de ferramentas para sede da direção. Ali, à noite, estudavam mecânica, carpintaria e outras artes necessárias, em livros trazidos da casa-grande. Bola-de-Neve ocupava-se também da organização dos outros bichos por meio dos chamados Comitês de Animais. Formou o Comitê da Produção de Ovos, para as galinhas; a Liga das Caudas Limpas, para as vacas; o Comitê de Reeducação dos Animais Selvagens (cujo objetivo era domesticar os ratos e os coelhos); o Movimento Pró Mais Branca, que congregava as ovelhas; e outros mais, além da criação de classes para ensinar a ler escrever. No conjunto, esses projetos foram um fracasso. A tentativa de domesticar as criaturas selvagens, por exemplo, falhou em pouco tempo. Elas continuaram a portar-se como dantes, e simplesmente tiravam vantagem do fato de serem tratadas com generosidade. O gato ingressou no Comitê de Reeducação e por algum tempo andou muito ativo. Um dia foi visto, sentado num telhado, a doutrinar alguns pardais pousados pouco além do seu alcance. Dizia-lhes que todos os animais agora eram camaradas e qualquer pardal que o desejasse poderia vir pousar na sua mão; mas os pardais preferiram ficar de longe.
As classes de ler e escrever, ao contrário, constituíram enorme sucesso. Já no outono quase todos os bichos estavam, uns mais, outros menos, alfabetizados.

A Revolução Dos BichosOnde histórias criam vida. Descubra agora