Capítulo 33

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  Passaram-se anos. As estações vinham, passavam e a curtavida dos bichos se consumia. Tempo chegou em que ninguém mais se lembravade antes da Revolução, com exceção de Quitéria, Benjamim, o corvo Moisés ealguns porcos.Maricota morreu; Ferrabrás, Lulu e Cata-vento morreram.Jones também morreu num asilo de alcoólatras, noutra cidade. Bola-de-Nevefora esquecido. Sansão também, exceto pelos poucos que o haviam conhecido.Quitéria era agora uma égua velha, corpulenta, com os olhos atacados pelacatarata. Já ultrapassara de dois anos a idade de aposentadoria. Aquela históriade reservar um pedaço de campo para os animais idosos não era mais nemmencionada. Napoleão tornara-se um cachaço madurão de uns cento ecinqüenta quilos. Garganta estava tão gordo que mal conseguia abrir os olhos.Somente Benjamim continuava o mesmo, apenas de focinho um pouco maisgrisalho e, desde a morte de Sansão, mais rabugento e taciturno do que nunca.Agora existiam muito mais criaturas na granja embora o índicede crescimento não fosse aquele que esperavam nos primeiros anos. Haviamnascido muitos animais, para os quais a Revolução não passava de uma obscuratradição transmitida verbalmente, e outros que nem sequer tinham ouvido falarcoisa nenhuma a respeito. A granja contava agora com três cavalos além deQuitéria. Eram bichos formidáveis, trabalhadores incansáveis, bons camaradasmas muito estúpidos. Nenhum se mostrou capaz de aprender o alfabeto além daletra B. Aceitavam tudo quanto lhes era dito a respeito da Revolução e dosprincípios do Animalismo, especialmente por Quitéria a quem dedicavam umrespeito filial, mas era duvidoso que entendessem lá grande coisa.A granja prosperava e estava mais bem organizada; fora atéaumentada pela compra de dois tratos de terra ao Sr. Pilkington. O moinho devento afinal, fora concluído com êxito e a granja possuía uma debulhadeira e umelevador de feno próprio, e construções novas se haviam erguido. Whympercomprara uma aranha. O moinho de vento, entretanto, não era usado para gerarenergia elétrica. Usavam-no para moer cereais, coisa que dava bom dinheiro.Os animais estavam a braços com a construção de outro moinho de vento;quando este estivesse concluído, dizia-se, seriam instalados os dínamos. Masnaquele luxo de que Bola-de-Neve lhes falara certa vez, baias com luz elétrica eágua quente e fria, e na semana de três dias, não se falava mais. Napoleãodenunciara tais idéias como contrárias aos princípios do Animalismo. Averdadeira felicidade, dizia ele, estava em trabalhar bastante e viver frugalmente.De certa maneira, parecia como se a granja se houvessetornado rica sem que nenhum animal tivesse enriquecido — exceto, é claro, osporcos e os cachorros. Talvez isso acontecesse por haver tantos porcos e tantoscachorros. Não que esses animais não trabalhassem, à sua moda. Gargantanunca se cansava de explicar que havia um trabalho insano na ação desupervisionar e organizar a granja. Grande parte desse trabalho era de naturezatal que estava além da ignorância dos bichos. Tentando explicar, Garganta dizialhesque os porcos despendiam diariamente enormes esforços com coisasmisteriosas chamadas "arquivos", "relatórios", "minutas" e "memorandos". Eramgrandes folhas de papel que precisavam ser miudamente cobertas com escritase, logo depois, queimadas no forno. Era tudo da mais alta importância para obem-estar da granja, dizia Garganta. A verdade é que nem os porcos nem oscachorros produziam um só grama de alimento com o seu trabalho; e havia umbocado deles, com o apetite sempre em forma.Quanto aos outros, sua vida, ao que sabiam, continuava amesma. Geralmente andavam com fome, dormiam em camas de palha, bebiamégua no açude e trabalhavam no campo; no inverno, sofriam com o frio; no verão,com as moscas. De vez em quando, os mais idosos rebuscavam a apagadamemória e tentavam determinar se nos primeiros dias da Revolução, logo após aexpulsão de Jones, as coisas haviam sido melhores ou piores do que agora. NãoC9nseguiam lembrar-se. Nada havia com que estabelecer comparação: nãotinham em que basear-se, exceto as estatísticas de Garganta, queinvariavelmente provavam estar tudo cada vez melhor. Os bichos consideravam oproblema insolúvel; de qualquer maneira, dispunham de muito pouco tempo paraessas especulações. Apenas o velho Benjamim afirmava lembrar-se de cadadetalhe de sua longa vida e saber que as coisas nunca haviam estado e nuncahaveriam de ficar nem muito melhor nem muito pior, sendo a fome, o cansaço e adecepção, assim dizia, a lei imutável da vida.Mesmo assim os bichos nunca perdiam a esperança. Maisainda, jamais lhes faltava, nem por instantes, o sentimento de honra peloprivilégio de serem membros da Granja dos Bichos que continuava ser a únicaem todo o condado — em toda a Inglaterra! — de propriedade dos animais e poreles administrada. Nenhum deles, nem mesmo os mais moços, nem mesmo oschegados de outras granjas, situadas algumas a dez ou vinte quilômetros dedistância, jamais deixaram de maravilhar-se com isto. E quando ouviam o tiro daespingarda e viam a bandeira flutuando no topo do mastro, seu coração seinchava de orgulho e a conversa passava a girar em torno dos históricos dias deantanho, da expulsão de Jones, da inscrição dos Sete Mandamentos, dasgrandes batalhas em que os invasores humanos haviam sido derrotados.Nenhum dos antigos sonhos fora abandonado. A República dos Bichos, que ovelho Major havia previsto, quando os verdes campos da Inglaterra não maisseriam pisados pelos pés humanos, era coisa em que ainda acreditavam. O diahavia de chegar. Podia ser mais cedo ou mais tarde, talvez não acontecessedurante a vida de qualquer dos animais de então, mas havia de chegar. Até amelodia de Bichos da Inglaterra talvez fosse cantarolada secretamente aqui e ali;de qualquer maneira, a verdade é que cada bicho da granja a conhecia, emboranenhum tivesse coragem de cantá-la em voz alta. Talvez fosse verdade que avida era difícil e que nem todas as suas esperanças se haviam concretizado; mastinham a consciência de não serem iguais aos outros animais. Se tinham fome,não era por alimentarem alguns tirânicos seres humanos; se trabalhavamarduamente, pelo menos trabalhavam em seu próprio benefício. Nenhumacriatura dentre eles andava sobre duas pernas. Nenhuma criatura era "dona" deoutra. Todos os bichos eram iguais.   

A Revolução Dos BichosOnde histórias criam vida. Descubra agora