No terceiro domingo após a expulsão de Bola-de-Neve, os bichos ficaram um tanto surpresos ao ouvirem Napoleão anunciar que o moinho de vento seria, afinal de contas, construído. Não deu qualquer explicação sobre o motivo que o fizera mudar de idéia, apenas alertando os animais de que essa tarefa extraordinária significaria trabalho muito duro, podendo até ser necessário reduzir as rações. Os planos, entretanto, haviam, sido elaborados até o último detalhe. Uma comissão especial de porcos trabalhara neles durante as três últimas semanas. A construção do moinho de vento, com vários outros melhoramentos, deveria levar dois anos.
Naquela tarde, Garganta explicou aos outros bichos, em particular, que Napoleão nunca for a contra a construção do moinho de vento. Pelo contrário, ele é que advogara a idéia desde o início, e o plano que Bola-de-Neve havia desenhado no assoalho do galpão das incubadoras fora, na realidade, roubado de entre os papéis de Napoleão. O moinho de vento, era, em verdade, criação do próprio Napoleão.
- Por que, então - perguntou alguém -, ele tanto falou contra o moinho?
Garganta olhou, manhoso.
- Aí é que estava a esperteza do Camarada Napoleão - disse. - Ele fingira ser contra o moinho de vento, apenas como manobra para livrar-se de Bola-de-Neve, que era um péssimo caráter e uma influência perniciosa. Agora que Bola-de-Neve saíra do caminho, o plano podia prosseguir sem sua interferência. Isso era uma coisa chamada tática.
Repetiu inúmeras vezes "Tática, camaradas, tática!", saltando à roda e sacudindo o rabicho com um riso jovial. Os bichos não estavam muito certos do significado da palavra, mas Garganta falava tão persuasivamente e os três cachorros - que por coincidência estavam com ele - rosnavam tão ameaçadoramente, que aceitaram a explicação sem mais perguntas.
Durante o ano inteiro os bichos trabalharam feito escravos. Mas trabalhavam felizes; não mediam esforços ou sacrifícios, cientes de que tudo quanto fizessem reverteria em benefício deles próprios e dos de sua espécie, que estavam por vir, e não em proveito de um bando de preguiçosos e aproveitadores seres humanos.
Por toda a primavera e o verão, enfrentaram uma semana de sessenta horas de trabalho e, em agosto, Napoleão fez saber que haveria trabalho também nos domingos à tarde. Esse trabalho era estritamente voluntário, porém, o bicho que não aceitasse teria sua ração diminuída pela metade. Mesmo assim, ficou alguma coisa por fazer. A colheita foi pouco menor do que a do ano anterior, e duas lavouras que deveriam receber mandioca no início do verão não foram plantadas por não ter sido possível ará-las a tempo. Era fácil prever que o inverno seria bastante duro.
A construção do moinho de vento apresentou dificuldades imprevistas. Havia na granja uma boa pedreira, e grande quantidade de areia e cimento for a encontrada num depósito, portanto o material para a construção existia e estava à mão. O problema que os animais não conseguiram resolver, de inicio, foi o de quebrar as pedras no tamanho desejado. Não parecia haver outra maneira senão com picaretas e alavancas, coisas que nenhum animal podia usar, porque não lhes era possível ficar de pé sobre duas patas. Somente após semanas de trabalho em vão, foi que ocorreu a alguém a idéia certa - aproveitar a gravidade. Pelo leito da pedreira jaziam seixos enormes, demasiado grandes para serem usados como estavam. Os bichos amarravam cordas em torno das pedras e, todos juntos, cavalos, vacas, ovelhas, todo animal que fosse capaz de segurar os cabos - até os porcos entravam no grupo, em certos momentos críticos -, arrastavam-nas com desesperadora lentidão até o ponto mais elevado da pedreira, de cuja borda eram derrubadas para despedaçarem-se embaixo. O transporte das pedras, uma vez quebradas, era relativamente simples. Os cavalos carregavam-nas em carroças, as ovelhas arrastavam blocos individuais, até mesmo Maricota e Benjamim atrelaram-se a uma velha charrete e fizeram sua parte. No fim do verão já haviam acumulado um bom estoque de pedras, e começou a construção sob a direção dos porcos.
Entretanto, o processo era demorado e laborioso. Freqüentemente levavam um dia inteiro para arrastar uma pedra das maiores até o topo da pedreira, e às vezes, atirada pela borda, não quebrava. Nada se teria feito sem Sansão, cuja força parecia igual à de todos os outros bichos juntos. Quando a pedra começava a deslizar e os animais gritavam de desespero, ao se verem arrastados colina abaixo era sempre Sansão que retesava os cabos e continha a pedra. Vê-lo na faina da subida, palmo a palmo, com a respiração acelerada, os costados molhados de suor e as pontas dos cascos cravadas no solo, era coisa que enchia a todos de admiração. Quitéria às vezes recomendava-lhe que tivesse cuidado e não se esforçasse demais, mas Sansão não lhe dava ouvidos. Seus dois lemas "Trabalharei mais ainda" e "Napoleão tem sempre razão" pareciam-lhe resolver todos os problemas. Pediu a um dos galos que o acordasse três quartos de hora mais cedo, pela manhã, ao invés de meia hora. E nos momentos de folga, coisa que nos últimos tempos não sucedia muito amiúde, ia sozinho à pedreira, juntava um monte de pedra britada e puxava-o até o local do moinho de vento, sem ajuda de ninguém.
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A Revolução Dos Bichos
Non-FictionCansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Granja do Solar rebelam-se contra seus donos e tomam posse da fazenda, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário, sob o slogan "Quatro pernas bom, duas p...