Os animais sentiram certa inquietação (com exceção de Mimosa e Bola-deNeve,nenhum deles jamais saíra da granja) e não gostaram da idéia de seucamarada ir parar nas mãos dos humanos. Entretanto Garganta os convenceu,facilmente, de que o cirurgião veterinário de Willingdon poderia tratar do caso deSansão muito melhor do que eles, na granja. Cerca de meia hora mais tarde,quando Sansão já se recuperara um pouco, conseguiram pô-lo de pé e elecambaleou de volta até a baia, onde Quitéria e Benjamim lhe haviam preparadouma boa cama de palha.Durante os dois dias seguintes Sansão permaneceu na baia. Osporcos enviaram uma garrafa contendo um remédio cor-de-rosa, encontrado noarmarinho do banheiro, e Quitéria servia-o a Sansão duas vezes ao dia, após asrefeições. À noite, Quitéria permanecia a seu lado, conversando com ele,enquanto Benjamim afastava as moscas. Sansão afirmava não estar triste com oacontecido. Caso se recuperasse bem, poderia viver mais três anos, e jáimaginava os dias tranqüilos que passaria no rincão da pastagem. Seria aprimeira vez que lhe sobraria tempo de folga para estudar e melhorar seusconhecimentos. Pretendia dedicar o resto de sua existência ao aprendizado dasvinte e duas letras restantes do alfabeto.
Contudo, Benjamim e Quitéria só podiam estar a seu lado apósas horas de trabalho, e foi durante o dia que o carroção veio buscá-lo. Osanimais estavam na lavoura semeando nabos, sob a supervisão de um porco, eficaram admirados ao verem Benjamim a galope, vindo da direção das casas dagranja ao encontro deles, zurrando feito louco.
Era a primeira vez na vida queviam Benjamim excitado — para falar a verdade era a primeira vez que alguém ovia galopar.
— Depressa, depressa! — gritou. — Venham depressa! Estãolevando Sansão! — Sem esperar ordens do porco, largaram o trabalho ecorreram de volta para as casas. Realmente, lá estava um carroção fechado,puxado por dois cavalos, com um letreiro no lado e um homem de chapéu-cocosentado na boléia. A baia de Sansão estava vazia.Os bichos se apinharam ao redor do carroção.— Até breve, Sansão! gritaram. — Até breve!— Idiotas! Idiotas! — exclamou Benjamim corcoveando em voltadeles e ferindo o chão com os cascos pequeninos. — Imbecis! Não vêem o queestá escrito ali ao lado?Isso fez calar os animais e ouviu-se um psss. Maricotacomeçou a soletrar as palavras, mas Benjamim empurrou-a para um lado e leuem meio a grande silêncio:— "Alfred Simmonds, Matadouro de Cavalos, Fabricante deCola, Willingdon. Peles e Farinha de Ossos. Fornece para Canis." Será quevocês não percebem? Vão levar Sansão para o carniceiro! Houve um grito dehorror dos bichos. Nesse momento o homem da boléia estalou o chicote e oscavalos saíram a trote vivo, abandonando o pátio. Os bichos correram atrás,gritando com todas as forças. Quitéria abriu caminho até a frente. O carroçãotomou velocidade. Quitéria tentou fazer que suas pernas grossas galopassem econseguiu um trotezinho.— Sansão! — gritou ela. — Sansão! Sansão! Sansão! —Nesse exato momento, como se tivesse ouvido a barulheira de fora, apareceu najanelinha de trás da carroça a cara de Sansão, com sua mancha branca nofocinho.— Sansão! — berrou Quitéria desesperadamente. — Sansão!Saia daí! Saia depressa! Estão levando-o para a morte!Os bichos gritavam a um tempo:— Saia daí, Sansão, saia daí! — Todavia o carroção tomavavelocidade e começava a distanciar-se. Não podiam saber se Sansão haviaentendido Quitéria. Logo depois, entretanto, sua cara desapareceu da janela eouviu-se o barulho da tremenda pancadaria de seus cascos no interior docarroção. Ele tentava livrar-se de qualquer maneira.
Tempo houve em que comalguns coices Sansão transformaria aquela carroça num monte de lenha. Mas,ai! sua força o abandonara; em poucos instantes, o som das batidas diminuiu emorreu. Desesperados, os animais suplicaram aos dois cavalos que puxavam ocarroção para que se detivessem.— Camaradas! Camaradas! — gritavam eles. Não levem umirmão de vocês para essa morte! — Porém os brutos estúpidos, ignorantesdemais para entenderem o que acontecia, limitaram-se a murchar as orelhas eapertar o passo. A cara de Sansão não reapareceu mais na janela. Alguémpensou em correr à frente e fechar a porteira das cinco barras, mas era tardedemais, pois logo o carroção atravessava a porteira e desaparecia rapidamentena estrada. Sansão nunca mais foi visto.Três dias mais tarde, chegou a notícia de que havia falecido nohospital veterinário de Willingdon, a despeito de ter recebido todos os cuidadosque um cavalo merece. Garganta veio dar a notícia. Presenciara, disse, osúltimos momentos de Sansão.— Foi a cena mais comovente de minha vida! — disseGarganta, erguendo a pata e deixando rolar uma lágrima. — Eu estava à suacabeceira no instante final. Quase sem poder falar, ele sussurrou ao meu ouvidoque seu único pesar era morrer antes de ver terminado o moinho de vento. "Paraa frente, camaradas! Viva a Granja dos Bichos! Viva o Camarada Napoleão!Avante em nome da Revolução! Napoleão tem sempre razão." Estas foram suasúltimas palavras, camaradas.— A seguir, os modos de Garganta se transformaram. Caiu emsilêncio por um momento e seus olhinhos deram miradas suspeitosas para oslados antes de prosseguir.
Chegara a seu conhecimento, disse ele, que um boato idiota eperverso circulara por ocasião da baixa de Sansão. Alguns animais haviamnotado que na carroça que transportou Sansão estava escrito "Matadouro deCavalos", chegando à conclusão de que Sansão estava sendo mandado para ocarniceiro. Era quase inacreditável que um bicho pudesse ser tão estúpido. Comcerteza, gritou ele indignado, sacudindo o rabicho e dando pulinhos, com certezatodos conheciam seu amado Líder, o Camarada Napoleão não? A explicação eramuito simples. A carroça pertencera, antes, ao carniceiro, depois fora compradopelo cirurgião veterinário, que ainda não apagara letreiro. Eis como se dera oengano.Os bichos ficaram imensamente aliviados com isso. E quandoGarganta continuou dando detalhes sobre a câmara mortuária de Sansão, oextraordinário cuidado que recebeu e os caríssimos remédios que Napoleãomandara comprar sem olhar o preço, desapareceram suas últimas dúvidas e atristeza pelo camarada morto foi mitigada pela certeza de que, pelo menos,morrera feliz.O próprio Napoleão apareceu no encontro do domingo seguintee pronunciou uma singela oração. em memória de Sansão. Não fora possível,explicou, trazer de volta os despojos do lamentado camarada para o enterro,porém dera ordem para que se confeccionasse uma grande coroa com louros dojardim e a enviara para ser colocada no túmulo de Sansão. E anunciou que,alguns dias depois, os porcos pretendiam realizar um banquete em memória deSansão.Napoleão finalizou seu discurso relembrando as duas máximasprediletas de Sansão. "Trabalharei mais ainda" e "O Camarada Napoleão temsempre razão", máximas, disse, que cada animal deveria adotar para si próprio.No dia marcado para o banquete, chegou de Willingdon acarroça de um armazém e desembarcou na casa-grande um engradado demadeira. Naquela noite ouviu-se uma alta cantoria seguida de algo que pareciauma discussão violenta e que terminou cerca das onze horas com uma tremendabarulheira de vidros quebrados. No dia seguinte ninguém se levantou na casagrande,até o meio-dia, e correu uma conversa de que os porcos haviamconseguido, não se sabia de que maneira, dinheiro para adquirir outra caixa deuísque.
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A Revolução Dos Bichos
No FicciónCansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Granja do Solar rebelam-se contra seus donos e tomam posse da fazenda, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário, sob o slogan "Quatro pernas bom, duas p...