Capítulo 35

348 8 0
                                    

  Finalizaria suas palavras, continuou, assinalando mais uma vezos sentimentos de amizade, que prevaleciam e deviam prevalecer entre a Granjados Bichos e seus vizinhos. Entre os porcos e os seres humanos não havia, eeram inteiramente inadmissíveis quaisquer conflitos de interesses. Suas lutas esuas dificuldades eram uma só. Pois o trabalho não constituía o mesmo problemaem toda parte? A essa altura evidenciou-se que o Sr. Pilkington pretendia soltarpara a platéia algum dito espirituoso, mas por alguns momentos pareceu pordemais dominado pelo gozo da própria piada, para poder dizê-la. Depois demuita sufocação, que deixou vermelhos os seus vários queixos, ele conseguiulargá-la: "Se os senhores têm que lutar com os seus animais inferiores, nóstemos as nossas classes inferiores". Este bon mot causou sensação na mesa, eo Sr. Pilkington novamente felicitou os porcos pelas baixas rações, pelas muitashoras de trabalho e pela ausência geral de tolerância que observara na Granjados Bichos.E agora, disse finalmente, convidava o grupo a levantar-se everificar se os copos estavam cheios.— Senhores — concluiu o Sr. Pilkington — proponho umbrinde: À prosperidade da Granja dos Bichos!Houve uma entusiástica saudação e depois muitas palmas.Napoleão ficou tão emocionado que deixou seu lugar e deu a volta à mesa paratocar com seu copo o do Sr. Pilkington, antes de esvaziá-lo. Quando asfelicitações acabaram, Napoleão, que permanecera de pé, disse que iria tambémproferir algumas palavras.Como todos os discursos de Napoleão, aquele foi curto e diretoao assunto. Também ele, disse, alegrava-se de que o período dedesentendimentos tivesse chegado ao fim. Por longo tempo houve rumores —inventados, acreditava, e tinha razões para isso, por algum inimigo malintencionado— de que havia algo de subversivo e mesmo de revolucionário nospontos de vista seus e de seus companheiros. Tinham passado por desejosos defomentar a rebelião entre os animais das granjas vizinhas. Nada podia estarmais longe da verdade! Seu único desejo, agora como no passado era viver empaz e gozando de relações normais com os seus vizinhos. Aquela granja queele tinha a honra governar, acrescentou, era um empreendimento cooperativo. Asescrituras que estavam em seu poder conferiam a posse a todos os porcos.Não acreditava que ainda restassem quaisquer das velhassuspeitas, mas certas modificações na rotina da granja haviam sido introduzidascom o fito de promover uma confiança ainda maior. Até aquele momento osbichos haviam conservado o hábito imbecil de dirigirem-se uns aos outros pelaalcunha de "camarada". Isso ia acabar. Existira também o costume insólito, cujaorigem era desconhecida, de marchar aos domingos, desfilando frente a umacaveira de porco pregada num poste. Isso também ia acabar, e a caveira já for aenterrada. Os visitantes com certeza teriam observado também a bandeira verdeque tremulava no poste. Nesse caso teriam notado que as antigas figuras dochifre e da ferradura, em branco, haviam sido suprimidas. Daí por diante seriauma bandeira puramente verde.Tinha apenas um reparo, disse, a fazer ao excelente discurso,bem próprio de um bom vizinho, do Sr. Pilkington. O Sr. Pilkington referira-se otempo todo à "Granja dos Bichos". Naturalmente ele não podia saber — mesmoporque Napoleão o estava proclamando, naquele instante, pela primeira vez —que a denominação "Granja dos Bichos" for a abolida. A partir daquele momento,sua granja voltaria a ser conhecida como "Granja do Solar", que, aliás, parecialhe,era seu nome correto e original.Senhores — concluiu Napoleão, levantarei o mesmo brinde,mas sob forma diferente. Encham, até a borda, seus copos. Senhores, este é omeu brinde. À prosperidade da Granja do Solar!Houve as mesmas calorosas felicitações de antes, e os coposforam esvaziados. Mas aos olhos dos bichos, que lá de for a espiavam, pareceuque algo estranho estava acontecendo. Que diabo teria alterado a cara dosporcos? Os olhos embaçados de Quitéria iam de uma cara para outra. Algumastinham cinco queixos, outras quatro, outras três. Mas alguma coisa pareciamisturá-las e modificá-las. Então, findos os aplausos, o grupo pegou novamentenas cartas, reencetando o jogo interrompido, e os animais afastaram-sesilenciosamente.Não haviam, porém, chegado sequer a vinte metros quando sedetiveram, ante o vozerio alto que vinha lá de dentro. Voltaram correndo etornaram a espiar pela janela.Realmente, era uma discussão violenta. Gritos, socos na mesa,olhares suspeitos, furiosas negativas. A origem do caso, ao que parecia, fora ofato de Napoleão e o Sr. Pilkington haverem, ao mesmo tempo, jogado um ás deespadas.Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Nãohavia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. Ascriaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para umporco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossíveldistinguir quem era homem, quem era porco.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 29, 2017 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

A Revolução Dos BichosOnde histórias criam vida. Descubra agora