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Tarde do terceiro dia na ilha
O som das ondas e do vento preenchiam o ambiente. Caminhei por alguns minutos até encontrar o local onde eu e Rick dormimos por dois dias. As memórias me inundaram, parecia que estávamos naquele lugar a meses e o naufrágio do iate não passava de uma faísca ardente de lembrança. Quanto mais eu voltava ao momento, mais detalhes eram revelados. Meus batimentos cardíacos estavam descompassados. Parte de mim dizia que Richard havia salvo minha vida e outra dizia que eu me salvara e o rapaz só havia me convencido a pular. Não, nada disso importa. Estamos vivos um graças ao outro, estamos inteiros e saudáveis, isso é o que importa.

Os sacos plásticos ainda estavam amarrados nos galhos das árvores. A fogueira, fria e apagada. Nada havia mudado, pedaços de côco apodreciam na areia. Esqueletos e escamas de peixe dentro do mesmo buraco raso. Meu alambique destruído por uma ventania.

Dois dias. Apenas dois. Cobri tudo com terra, derrubei os abrigos, terminei de desconstruir o alambique, rasguei as sacolas (que tinham uma boa quantidade de água), acabei com todos os rastros. Mas antes de ir embora e pegar a trilha de volta à casa de Joe, vi algo brilhar na areia.

O enfeite de cabelo que era de minha mãe. Como eu pude perdê-lo? Eu havia trazido comigo justamente por isso, para que não o perdesse. Era a única lembrança concreta que eu tinha de minha mãe. Ela costumava usar esse enfeite em datas especiais, como no Natal, no meu aniversário, no aniversário de casamento dela e do papai, na Páscoa e tantas outras comemorações onde a família se reunia para celebrar. Com a morte da mamãe, morreram também as tradições. Tentamos nos reunir no Natal mas não foi a mesma coisa, Meredith era a cola que unia a todos.

Coloquei o enfeite em meu cabelo, prendendo bem. Dessa vez eu não iria perdê-lo.

+++

Voltei à casa pelo mesmo caminho. Antes de entrar na clareira, fiquei observando-a por entre as árvores. Joe havia escolhido um lugar estratégico para morar. Segui andando pelos limites das árvores, até topar com a parede de uma estufa que se comparada às outras estava próxima demais da floresta. Olhei ao redor e me agachei. As palavras de Joe sobre entrar nas estufas ecoavam em minha cabeça. Continuei atenta ao meu redor. Vi ao longe o homem de meia idade andar em direção a casa. Tirei da cintura a faca de cerras e fiz um semicírculo irregular na lona grossa que formava as paredes da estufa. Dobrei com a ponta da faca o recorte do semicírculo e observei o que Joe tanto escondia naquelas construções.

Agora, todas aquelas linhas bagunçadas de acontecimentos, tinham um ponto em comum. Eu precisava contar a Rick. Estamos na casa de um traficante.

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Voltei para as árvores, as sombras escondiam o meu rosto e camuflavam minha forma. Retornei para a trilha e segui caminho até a casa. Em momentos assim eu entendia por que eu nunca poderia ser atriz, parecia que tudo ao meu redor sabia que eu havia feito um buraco na estufa para espiar e descobrir o que Joe escondia. A sensação de ser pega a qualquer momento me desestabilizava, deixando óbvio que eu havia feito algo. Nunca fui boa com mentiras.

Ao chegar na casa, encontrei Rick mexendo em uma antena para televisão, o rapaz tinha esperanças de conseguir sinal ou qualquer coisa do gênero. Fiquei em pé, observando-o trabalhar.

- Você não é muito discreta Karen... - ele se virou - O que foi, por que está me olhando desse jeito?

- Rick...

- Não me diga que...? O que você fez?!

- Nada.

- Então...?

- Nós precisamos sumir daqui o mais depressa possível.

- Karen, diz logo.

Ouvimos passos e em seguida a porta dos fundos se abrir. Meus músculos tensionaram e minha boca ficou seca. Joe apenas se aproximou para verificar o que estávamos fazendo. Percebi seus olhos varrerem o cômodo.

- O que é isso no seu cabelo?

Senti sua mão tocar a presilha. Virei-me bruscamente.

- É meu.

Os olhos castanhos não esboçavam puro interesse.

- Onde arranjou?

- É meu, herança da minha mãe.

O homem se afastou, estava desconfiado. Não parava olhar do enfeitei para mim e de mim para Rick. Minha mente emitia um alerta, ele estava planejando algo.

+++

O sol estava se pondo, eu ainda não havia conversado com Rick sobre as estufas de Joe. Não havia oportunidades, eu era vigiada a cada passo que dava. Isso me fazia pirar, meus nervos estavam à flor da pele, já não suportava mais os olhares pesados sobre mim e minha presilha. Desse jeito a única oportunidade que eu teria para contar a Richard, seria quando fossemos dormir. Seria a primeira noite dormindo nessa casa, em minhas breves preces eu pedia a Deus que fosse a última.

Após a janta - que era a mesma refeição que o almoço - Joe foi tomar banho. Seria o momento perfeito.

- Richard, acho melhor irmos ajeitar a cama.

O garoto não demorou a entender o que havia por trás da frase.

- Sim - disse deixando de lado o pano que usava para secar as mãos.

Assim que entrei no quarto fechei a porta. Escutei Joe caminhar até o banheiro e finalmente senti toda a tensão se esvair do meu corpo.

- O que foi Karen?

Tirei a faca de seu esconderijo e entreguei a Richard. Os olhos do garoto arregalaram-se, suas íris pareciam duas safiras de um brilho intenso, ele me olhava incrédulo.

- Quando você conseguiu?

- Roubei hoje de manhã enquanto lavava a louça.

- Uau - ele disse impressionado, Richard sabe que sou contra roubos.

- Não é o mais importante.

- Ok, algo mais importante do que Karen Abernathy portando uma arma branca que foi roubada?

- Eu vi o que Joe tem nas estufas.

Várias expressões passaram pelo rosto do rapaz. Dúvida, surpresa, curiosidade e medo, eu reconhecia cada uma delas, suas sobrancelhas acompanhavam as oscilações de sentimentos. Ele balançou a cabeça como quem tentava espantar moscas irritantes de seu rosto.

- Como?

- Fiz um pequeno recorte na parede de uma das estufas.

- Esperta, mas não deixa de ser perigoso.

- Joe é realmente um perigo à qual estamos sujeitos.

- O que quer dizer?

- Ele é um traficante.

A boca de Rick transformou-se em uma linha reta, seus olhos azuis estavam cravados nos meus.

- Ele tem várias plantas "ilegais" nessas estufas. Papoula, maconha, cicuta...

- Joe é um jardineiro?

- Um jardineiro do crime!

Richard começou a rir. Era incrivelmente tosco o modo como eu havia dito aquilo.

- Tá, ele cultiva essas plantas venenosas e ilegais, qual o perigo?

- Qual o perigo? Ele deve ter ligação com alguma quadrilha ou máfia! Meu Deus, logo quando comecei a achar que você era inteligente...

A porta do quarto se abriu num estrondo.

- Eu também achei que você fosse mais inteligente - Joe disse apontando uma arma em minha direção.

Perdida Na IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora