Noite do terceiro dia, perdida na ilha
- Você não me disse onde aprendeu a atirar.
Rick estava deitado no chão, depois de seu tombo decidimos que não dava para continuar, a escuridão já se tonara um grande obstáculo. Aparentemente ninguém nos perseguia. Um plano se formou em minha mente, eu precisaria da aprovação dele, mas antes devo responder a pergunta que deixei em branco.
- Você sabe, tiro ao alvo no Clube Golden Ages.
Richard ficou em silêncio, talvez lembranças tenham inundado a mente dele assim como inundaram a minha.
- Precisamos continuar, prefere andar a correr?
- Ahn? - Ele estava ofegante.
- Eles provavelmente pararam de procurar pela gente e irão fazer isso de manhã. Vai ser mais fácil pra Joe e seu pessoal, visto que eles conhecem cada canto desse lugar, se ficarmos parados por muito tempo, vão nos encontrar.
- Você tem razão. Podemos usar a luz do celular.
- Que celular?
- Esse, que eu roubei de Joe.
+++
Não me lembro quando Richard decidiu tornar-se um daqueles supérfluos delinquentes que ficavam fumando perto dos carrinhos de golfe no Clube Golden Ages. O Clube era famoso por ser de elite e isso não significava que todas os sócios eram pessoas de boa índole. Quando eu tinha por volta dos quinze anos, uma vez por semana eu ia ao clube praticar tiro ao alvo, algumas vezes meu pai pedia para Rick me acompanhar, eu não me importava, afinal ele ia para as piscinas e eu para o campo onde pratos de porcelana eram lançados no ar.
Era mais um dia comum, fui em direção à casa de armas e Rick à piscina coberta. Nada de estranho. Pratiquei as duas horas como de costume e fui devolver a espingarda ao guarda que cuidava da casa de armas. Agora era só chamar Rick para podermos ir embora. Até hoje me pergunto por que decidi pegar um atalho e passar atrás do predio dos vestiários.
Encontrar Richard dando uns amaços em Becky naquele corredor entre os dois vestiários (feminino e masculino) não foi a melhor experiência da minha vida. A partir desse dia abandonei as aulas de tiro ao alvo, abandonei o Golden Ages e comecei a odiar Brad, como Becky costumava chamar o rapaz.
- Hey, tá tudo bem? - Disse ele quebrando o silêncio.
- Sim.
- Você ficou meio...
- Nada demais.
Ele sabia por que eu estava cabisbaixa. Ter me fechado repentinamente logo após o clube Golden Ages ter sido mencionado era dar pistas demais.
- Nós temos muitas coisas não resolvidas Karen. Eu gostaria de solucionar cada uma delas. Começando pela vez em que fiquei com a Becky atrás dos vestiários.
- Eu não quero falar sobre isso. Está no passado.
- Não! Não está! Por que essas coisas me atrapalham hoje, sabe, como pode pertencer ao passado mas ainda nos afetar?
- Sério? De todos os momentos, você escolhe justamente aquele em que estamos presos em uma ilha, andando à noite no meio de uma floresta tropical?
- Você nunca me dá chances de conversar com você!
- Talvez o motivo seja você sempre ter que colocar a mão na minha cintura e conversar comigo no mesmo nível que conversa com essas super modelos.
- Eu não sou assim, você sabe. Não sou esse tipo de cara.
- Claro que não, você é o tipo que se declara para uma garota e depois vai dar uns amaços com uma piranha num pseudobeco.
Parei por ali, não queria mais falar sobre isso, Rick era contraditório em tudo que fazia, ele sempre reclamava de Becky chamá-lo de Bradley (seu nome do meio) e fazia piadas da quantidade de garotos que ela já havia beijado. Tudo isso para depois simplesmente ficar com ela.
Isso tinha acontecido há seis anos atrás mas ainda me afetava. Eu não sabia explicar bem por que, mas durante toda a minha adolescência eu nutri sentimentos por Rick e ele sempre retribuiu. Foi tarde quando eu percebi que ele só me usava, me usava para conseguir nota em matemática, me usava para ganhar créditos com o meu pai. Isso foi tomando conta dele, andar com os delinquentes do clube, ficar com as populares do colégio, apresentar-se em festivais regionais por ser famoso na cidade e ser tratado como Deus. Ele estava longe de ser considerado um santo.
A luz fraca do celular nos ajudava a andar na escuridão. Estávamos em silêncio o que permitia escutar sons de alguns insetos. O celular, a antena. Consegui compreender o que Rick planejava. Para isso, precisaríamos chegar a praia o mais depressa possível. Uma corrente de ar nos atingiu, gelada e úmida. Estávamos perto das águas salgadas do Pacífico.
- Nós vamos conseguir sair daqui. Veja.
Richard apontava para o canto superior direito da tela do celular, três riscos indicavam que havia sinal. Ele não hesitou em digitar o número da guarda costeira. Como o rapaz sabia o número da guarda costeira? Também não sei. Ele colocou na opção viva voz.
- Boa noite. Enviem uma patrulha.
- Qual o motivo de sua ligação?
- Estamos numa ilha. Precisamos de resgate. Aqui é Richard Bradley Northwood e Karen Abernathy. Nosso iate afundou a uns quatro dias e desde então estamos numa ilha.
- Só um minuto.
Ao fundo pudemos ouvir a mulher dizer:
- Resposta às buscas do senhor Northwood e a senhorita Abernathy. As coordenadas... - Sua voz diminuiu -... Envie um helicóptero e dois botes. Estamos indo ao resgate. Podemos nos comunicar através desse número de telefone?
- Sim. - Respondeu Rick. - Gostaria que fosse discreta, estamos sendo perseguidos. Faremos um sinal de fogo. Precisamos de ajuda. Por favor. - Rick desligou.
- Por que desligou?! - Perguntei indignada.
- Por que temos uma fogueira a fazer. Fiz aquilo para deixa-los preocupados, aliás um helicóptero chamaria a atenção do nosso amiguinho Joe, não?
- Assim como uma fogueira.
- Por isso vamos montar uma, não ascender. Fogo só na hora que estiverem próximos daqui.
Fazia sentido, Richard pensava de uma maneira lógica que as vezes me surpreendia. Chegamos logo na praia, enquanto caminhávamos pegamos galhos e folhas. Ajeitamos tudo na areia, o rapaz pegou a arma e tirou uma cápsula de bala.
- Vou tirar a pólvora e colocar aí na fogueira, vai ser mais fácil de ascender. Você sabe fazer aquele lance de escoteiro, né?
- Sei.
- Certo. Vou ligar de novo.
Discou o número e deu as mesmas informações à atendente, ela disse que o helicóptero estava a cinco minutos da ilha, não demoraria para chegarem lá. Rick pediu para eu começar o processo de conseguir produzir fogo enquanto tentava abrir a cápsula. A lanterna do celular estava ajudando muito.
Quando percebei que a madeira ao qual eu estava friccionando já começava a se aquecer e já estava formado um pequeno buraco nela, cobrei a pólvora de Rick. No mesmo instante ele conseguira abrir o projétil. Depósitou um pouco do pó no pequeno sulco formado em um dos gravetos. Voltei a esfregar as madeiras na tentativa de gerar mais calor.
A presença da pólvora acelerou o processo, tempos depois tínhamos uma fogueira com uma chama relativamente alta e um helicóptero pairando sobre nós.
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Perdida Na Ilha
RomancePassar o Réveillon num iate no meio do oceano junto com uma estrela de rock pode ser o sonho de muitas jovens da idade de Karen, entretanto tudo o que ela deseja é que Richard Bradley Northwood desapareça do gigantesco iate alugado para sediar a fes...