4 _ Rua Nova

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Subiram a Estrada da Gávea rumo ao Centro Comunitário a procura de Tião Pé Duro, exatamente como Madalena instruiu. "Pegue a chave da casa com ele", disse Madalena em seu leito de morte. Tião Pé Duro chegou inclinado ao descaso. Mas ao saber que se tratava da irmã de Madalena mudou logo o tom. "Ohhh! Mas como está minha comadre Madá?", perguntou alargando o riso. Ao saber da morte de uma pessoa tão estimada, sentiu pesar. Madalena ajudara Tião em tempos difíceis.

Mãe de Dona pediu a chave da casa. Pé Duro derramou más notícias sem fazer cerimônias; "a chave ainda está comigo", explicou, "mas a casa já não existe mais". Devido a um Programa de Aceleração do Crecimento, o PAC, o Governo havia construído uma rua com um conjunto de casas de uma política habitacional denominada "Minha Casa Minha Vida". A rua nova ficou conhecida como Rua Nova ou Rua Quatro. Mas a maioria chamava a rua nova de Rua Nova mesmo.

As casinhas eram todas coloridas. A Rua Nova dava direto na Estrada da Gávea. Haviam, pelo menos, três praças por toda a rua. Jardins bem elaborados com coqueiros e árvores médias. Mas o que não havia mais lá era a casa de Madalena. O progresso havia passado bem por cima dela. Dona e sua mãe estavam agora desamparadas em um lugar estranho, sem moradia, pouquíssimo dinheiro e exaustas da viagem. Tião Pé Duro mandou chamar "um dos meninos" para tentar resolver a questão ainda pela manhã. Ajudar a irmã de Madalena a se instalar na Rocinha, era o mínimo que ele podia fazer.

Enquanto a estadia se desenrolava, Dona observava tudo com atenção. Era tanta gente que não cabia no mundo! Era tanta bagunça... Mototaxi buzinando sem parar, mar de gente andando e se esbarrando na maior normalidade, um bando de policiais armados de fuzis, sujeira pra todo lado... O céu caindo e o mundo se acabando mesmo! Viu as crianças indo para escola. As meninas usavam shorts bem curtos. As blusinhas do uniforme escolar ganhavam nós dianteiros para exibirem seus piercings nos umbigos. A maquiagem vinha carregada e o batom não tinha graça se não fosse bem vermelho. Cabelos secos ou molhados, não importa, desde que tivessem lisos. Brincos de argola grande. E ao andar vinham "com o bumbum tremendo" como se a batida do funk proibidão carioca estivesse alojado inconscientemente em seus cérebros condicionados ao "som do tamborzão". Dona teve vontade de rir. Mas até que gostou das "meninas vestidas de mulher" e por uma fração de segundos desejou se vestir de forma igual. Talvez para rir de si mesma. Ou para ser aceita. Ou, simplesmente, para assumir de vez sua real condição de criança que cresceu antes do tempo. Talvez fosse a hora de se portar como aduto, já que fizera coisas de adulto antes de aduto ser.
"Será que essas meninas também haviam sido...?", Dona não quis completar seu pensamento. Dona preferia não pensar muito nisso...

Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar Bem PertoOnde histórias criam vida. Descubra agora