16_ Avançar!

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"A guerra é o rei trajando seda e a mãe trajando luto"
                                    Aquiles

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A entrada principal da Rocinha já estava repleta de soldados dês das quatro horas da madrugada. Eram cerca de quatrocentos homens armados até os dentes. Haviam três blindados, vinte viaturas e dois helicópteros Águias que davam contenção. Além dos policiais, haviam também cerca de quinze homens do Bope que tinham uma caveira como símbolo estampado nas mangas de seus uniformes negros. Do outro lado, a comunidade do Vidigal já havia sido tomado com um contingente mais modesto, mas não menos eficiente e assustador. Como os próprios moradores gostavam de dizer "quem dança no Vidiga dança na Roça tambem". Diziam isso pra demonstrar o carinho que tinham pela comunidade vizinha e que era dominada pelo ADA, a mesma facção da Rocinha. O objetivo da operação era passar o pente fino em cada beco e todo morador era um suspeito.

- Avançar! - Ordenou Capitão Mortandela.

Tomaram as entradas principais da Rocinha simultaneamente; a Via Ápe e as extremidades da Estrada da Gávea, tanto a entrada que dava em São Conrado quanto a do Vidigal.

Os blindados iam na frente. As viaturas logo atrás seguidos pelos homens fardados. Não houve nenhum beco que não tivesse recebido a presença de, pelo menos, dois ou três policiais.

A comunidade olhava aquilo apreensiva. Dona também. Lá pelas seis da manhã o tiroteio começou. O cenário era de guerra, e não era uma guerra comum. O meio dia chegou demoradamente e o tiroteio era ainda intenso.

Dona e sua mãe ficavam agachadas, abraçando uma a outra. Em meio às rajadas, bombas e o som ensurdecedor dos helicópteros, Dona achou ter ouvido o choro desesperado de uma criança. Em um ato irresponsável, soltou-se de sua mãe e chegou perto da janela. Viu um menino de dois ou três anos acuado na parede do beco. Alguns tiros acertavam as paredes em cheio fazendo com que alguns estilhaços caíssem sobre a criança deixando-a ainda mais apavorada. Alguém precisava tirar aquela criança de lá antes que o pior acontecesse. Se aquela criança fosse atingida por uma bala perdida não seria a primeira em uma operação policial e, tão pouco, seria a última.

Dona não teve dúvida. Abriu a janela em um ato de coragem. Saltou. E, embora ouvisse sua mãe gritar para que fechasse a janela, desceu até a viela pelo telhado de uma casa. Chegou até o menino. "Calma, calma", ela disse tentando tranquilizar o garotinho quando, na verdade, ela mesma estava assustada.

Ouviu um estrondo. Um míssel atingiu o helicóptero fazendo com que ele perdesse o controle e caísse na Rua Um. O piloto e toda a tripulação foram cercados pelos traficantes que correram atrás do Águia em queda como crianças correm atrás de uma pipa "avoada". Atiravam a esmo nos policiais que revidavam desesperadamente pela sobrevivência usando a fuselagem do Águia como escudo.

Enquanto a bala comia solta, Dona ergueu o menino pelo telhado tentando voltar de pressa para dentro de sua casa. Ao subir o telhado com a criança que chorava sem parar, Dona gritou por sua mãe que já estava posicionada na janela para segurá-las.

- Me dê a mão filha - Disse pensando com extinto materno de quem quer proteger unicamente sua cria.

- Primeiro o menino mãe! - Disse entregando o garotinho assustado.

Quando Dona se preparava para saltar a janela e finalmente se colocar num lugar mais seguro, sentiu uma fisgada no lado esquerdo. Era tarde de mais. Baleada, Dona caiu mole sobre os braços da mãe. Mãe de Dona gritava desesperada. Mas seria um grito em vão. A única coisa que se era possível ouvir era o barulho das bombas e as rajadas misturadas ao silêncio da morte.

Dona perdia muito sangue e fechava os olhos devagarzinho...

Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar Bem PertoOnde histórias criam vida. Descubra agora