A noite já havia caído quando Dona retornou do calor da batalha de Golem e seu exército inumerável de Unicórnios. Olhou pro céu e contemplou uma lua tentando sorrir entre as estrelas . Subiu correndo o beco que ligava o Valão à Rua Nova. Queria chegar logo em casa e contar à sua mãe a experiência fantástica que acabara de viver. "Ela não vai acreditar!", pensou sorrindo. Uma mistura de pensamentos a invadiu naquele instante. Era um pensamento em êxtase mesclado com uma certa preocupação, pois não sabia o resultado do fim daquela batalha. Como estava em risco, no centro de uma luta voraz, não tomou partido. Mas admitia a si mesma uma leve simpatia pelos Unicórnios, embora achasse a criatura gigantesca de ferro assustadora e os Drummers caprichosamente feios.Chegou à Rua Nova já sem fôlego. Deu um último pique antes de entrar em casa. Sua mãe estava em pé em frente ao fogão. Trazia consigo a boneca encardida, o dominó incompleto e o espelho trincado.
- Mãe, a senhora não vai acreditar! - Disse jogando a parafernália toda no chão.
Mãe de Dona lançou sobre a filha um olhar entristecido. Um olhar já visto antes, nos tempos da Chapada Norte da Bahia.
- Você também não vai acreditar filha. - Disse com a voz embargada - Olha quem chegou.
Dona olhou pro sofá e viu uma figura deitada com os pés pra cima. Seu entusiasmo foi substituído, de súbito, por um sentimento de tristeza e seu coraçãozinho apertou gelado. Era o Zé Canalha. De alguma forma ele seguiu seus rastros e as encontrou na Rocinha.
- Dona! Vem cá e me dê um abraço, venha! - Disse abrindo um sorriso cínico.
- Tu não sabe o quanto morri de saudade! - Disse soltando uma gargalhada.
Dona grudou o queixo no peito e ficou cabisbaixa. Sua mãe, pra poupá-la daquela situação, mandou a menina ir pro banho. Dona esmagou a bucha ensaboada com raiva e esfregou o próprio corpo com todo o ódio do mundo. Havia, além da raiva, um certo nojo que embrulhava seu estômago. Literalmente subia até a güela uma vontade enorme de vomitar.
- Dona, lembra d'aquela galinha que você carregava pra cima e pra baixo? - Perguntou o canalha - como era mesmo o nome dela? - Num tom sarcástico.
Dona, do banho, ouviu com atenção, mas não respondeu. Sentiu que vinha notícias de Anita e, pelo tom de Zé Canalha, não era das melhores.
- Virou ensopado! - Disse soltando uma gargalhadinha debochada.
Dona derramou uma lágrima; um pote cheio de saudade, preenchida até a borda de mágoa e que tranbordara pelo os olhos.
Desejou de todo o coração ser um gigante de ferro e esmagar Zé Canalha num único pisão! Desejou esquecer. Desejou sumir...
Adeus Anita.
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Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar Bem Perto
Fantasy#Wattys2016 ¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤ Capa por @RodolfoSalles, autor de "Absolutos". ¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤ 'Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar bem Perto' Quando uma luz te conduz para um novo mundo... Dias atuais. Zona Sul do Rio de Janeiro, Rocinha. Don...