17_ A batalha de Magamah

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"A guerra é o pai chorando a perda e o filho perdendo o pai"
                                       Aquiles

                       ¤¤¤

Dona abriu os olhos e, num gesto extintivo, colocou a mão no lado esquerdo. Não havia mais sangue. Sequer havia dor. Apertou seu crucifixo junto ao peito. Fez uma prece. Golem a tomou pelo colo.

- Coloque-a no Unicórnio - Disse o velho encapuzado.

Magamah era um mago, desses que trajam uma capa escura com capuz, um cajado e um alforje curtido em couro de dragão.

- Está tudo bem agora pequena Dona - Disse olhando ternamente pra menina - Eu sou Magamah.

Enquanto Dona se espantava pelo fato do velho saber seu nome, Magamah conduzia o Unicórnio carinhosamente pelo chifre no alto de uma colina. Quando olhou abaixo da colina, Dona viu um exército inumerável de Unicórnios; cinco mil, talvez dez! Sobre eles, montados os Drummer's, com seus tambores e aspecto caprichosamente feio. As Árvores vinham ao longe vagarosamente se juntar ao exército de Magamah. Entre elas havia uma majestosa, iluminada, com frutos brancos, sim, mais branco do que tudo que é branco; era a Árvore da Vida. Sua presença dava a sensação de imortalidade. Quem enxerga uma árvore dessas sabe que viverá para sempre. Quem a toca adquire uma experiência de paz inexplicável. Quem come seu fruto ganha a alegria infinita. Haviam também uma centena de gigantes de ferro empunhando suas marretas metálicas. Naquele exército onde Magamah era o general, Golem era o capitão. Golem exercia sua função com dignidade e tinha pelos os seus um profundo respeito.

Nesse exército grandioso não havia uma só alma que não olhasse para a pequena de vestido vermelho montada sobre o Unicórnio acima de suas cabeças. Olhavam-na com extrema admiração, como se soubessem do caminho trilhado que a conduziu até aquele instante. Como se o elemento derradeiro que faltava para completar as forças de tal exército não faltasse mais; estava agora completo. Como a última peça de um quebra-cabeça, ou, como o cumprimento de uma última profecia. Como uma pequenina peça de engrenagem de um relógio universal. Magamah iniciou um discurso do alto da colina acompanhado de Dona sobre o Unicórnio e o Golem de Ferro."Hoje lutaremos como prisioneiros da guerra em busca de liberdade!", gritou erguendo seu cajado, "Hoje somos almas livres lutando em busca de paz!", esbravejou a todo pulmão, "Hoje somos a luz de Iduméia!", berrou contagiando a todos com a ajuda de seus percussionistas azuis caprichosamente feios que batiam com vigor sua bateria de tambores. Precisava mesmo contagiá-los, pois atrás das montanhas, além do vale, havia um exército duas vezes maior e igualmente determinado.

Era o exército da Feiticeira Gulag e seu braço direito Al Shaman, um lobo'orc, (um orc que se transformava em lobo antes de cada batalha). Era grande, forte, mágico e peludo. Soprava uma chama azul pela boca que sarava os feridos em sua volta no raio de uma jarda. Haviam dezenas como ele. Derrotar um exército assim, numeroso e com poder de autocura, era uma tarefa árdua que poderia levar dias, sim, até mesmo semanas! Centenas de Minotauros domavam milhares de Gárgulas, que agora teriam suas chagas curadas antes de surgirem das cinzas após atingidas fatalmente. Feiticeira Gulag tinha os olhos vendados e carregava nas mãos um livro grande, negro, curtido em couro de dragão e comandava suas batalhas sentada em um trono como se fosse uma deusa. Seu desejo era capturar a Árvore da Vida e, por meio de seu branco fruto, alcançar a tão desejada imortalidade e assim, reinar eternamente em Iduméia. Mas havia uma pedra em seu caminho e seu nome era Magamah. E jamais alcançaria seu objetivo sem antes derrotá-lo. Magamah sabia que Iduméia era um mundo livre e acreditava que lá não precisava de reis, rainhas ou deuses. Os filhos de Iduméia obedeciam apenas às leis da liberdade.

Gulag tinha um orc e Magamah tinha uma menina. Sim, uma menina que a primeira vista podia parecer frágil, porém no fundo era uma fortaleza capaz de suportar quaisquer violações e, talvez, a maior delas. Dona não tinha poderes. Sua magia estava na sua coragem e no amor. Sim, o amor mais puro e verdadeiro que há. O amor real capaz de entregar sua própria vida para salvar a vida de um semelhante, tornando-se assim, num puro sacrifício.

O chão começou a tremer como se fosse o início de um terremoto. Já se era possível ver as Gárgulas voando entre as montanhas seguidos, pelo chão, por seus Minotauros truculentos que corriam a todo vapor fazendo a terra balançar. O calor da batalha estava prestes a começar e lá estava Dona, montada em um Unicórnio, com seu vestido vermelho, munida de um pássaro sem asas pousado em sua cabeça, apertando firme seu crucifixo junto ao peito fazendo uma prece, envolvida na maior batalha já realizada em toda existência de Iduméia: a batalha de Magamah!

Não tinham nada a temer. Mesmo que seu oponente fosse duas vezes mais numeroso, lutavam por uma causa honrosa. Além disso, tinham ao seu lado um ser humano...

Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar Bem PertoOnde histórias criam vida. Descubra agora