7 _ Pássaro sem asas

115 21 7
                                    


Após alguns dias da chegada à Rocinha, Dona decidiu que era hora de conhecer o mar. E ele estava alí tão pertinho. Praia de São Conrado não fica há mais de dez minutos de distância. Foi de vestido vermelho mesmo. Não tinha biquíni e, talvez, mesmo se tivesse, não teria coragem de usar. Não sabia o caminho e nem precisava; bastava seguir o mar de gente e, mesmo se não houvesse ninguém indo pra praia, bastava seguir o cheiro do mar.

Há poucos metros de distância já se podia ouvir o marulhar das ondas. A areia, ao longe, era deveras dourada como dizia tia Madalena. Deu uma corridinha; ansiedade é um prato que se come pelo cheiro pra torturar a fome. Além de dourada, a areia era também macia e quentinha. Um bom lugar pra se deitar e demorar deitada alí.

Lembrou-se do Castelinho que tia Madalena falava com tanto carinho. No canto da praia, terminava a areia e começava um mar de pedras que lutava bravamente com as ondas. Uma luta sem fim, pois a pedra era um mar que apanhava do mar e o mar era uma pedra que batia na pedra. Viu as ruínas. O "Castelinho" nada mais era que uma caverna com alguns degraus construídos no fim do século retrasado. Havia, agora, uma ciclovia que ligava São Conrado ao Leblon. Na verdade o que sobrou da ciclovia despedaçada. Após uma ressaca brava, a construção recém inaugurada, não passava de um projeto desastroso que não levou em conta a força da natureza. Eram, agora, ruínas modernas sobre ruínas antigas. Ruínas sobre ruínas.

Dona não se sentiu segura em cima daquela pedra. Resolveu voltar. Ao se virar, se deparou com um pássaro. Espantou-se. O pássaro vinha em sua direção dando pequenos saltos, um movimento que o deixava um tanto desengonçado. Dona se abaixou para olhar a criatura mais de perto. Ambos se olhavam com muito cuidado e curiosidade. "Mas o que é isso? ", pensou Dona erguendo as mãos em forma de concha na esperança que a criatura subisse em suas palmas. Subiu. Dona se levantou com o pássaro na mão e confirmou o que já havia constatado; tratava-se de um pássaro sem asas. Era mesmo uma criatura desengonçada, além de horrorosa . Dona teve pena. Pensou em levá-lo pra casa para cuidar de tão pobre ser. Antes que seu pensamento viesse a tona, o pássaro se virou de costas, lançando sobre Dona um último olhar. De súbito, deu um salto e antes que tocasse o chão, lançou-se sob um impulso e, com o bico apontado pro céu, desapareceu, como um raio de luz desaparece um instante depois de surgir. O som de sua partida instantânea era como o som de um vento assobiando forte na fresta de uma janela. Seu movimento inesperado de vôo soprou forte o cabelo embaraçado de Dona que não conseguia acreditar no que acabara de ver com os próprios olhos. Se algo assim existe e é possível, não é coisa que se vê corriqueiramente. "Será que o verei novamente? ", Dona pensou. Então um sentimento de conforto a dominou deixando escapar um leve sorriso de canto de boca. Aquele não era um último olhar. Era o olhar de um pássaro sem asas dizendo; "até breve".

Unicórnios, Vestidos Vermelhos e um Mar Bem PertoOnde histórias criam vida. Descubra agora