Desabafo

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Acordei com os gritos dos meus pais na cozinha como sempre, será que eles não se cansam? Não aguentava mais, todo dia era a mesma coisa. Minha mãe reclamando que meu pai vivia no trabalho, ele dizendo que era melhor do que ficar esbanjando dinheiro com as amigas no salão e em lojas de roupas. Era uma reclamação atrás da outra. E o pior é que eles estavam gritando, mesmo. Cadê a civilidade gente?

Meu pai é um advogado renomado, minha mãe trabalhava com design. Somos bem de vida, praticamente tenho tudo que quero. Mimada demais? Talvez.

Desci as escadas, eu tinha que fazer algo, fiquei frente a frente com eles e falei aquilo que estava entalado na minha garganta há muito tempo.
- Vocês não param de brigar um segundo, não pensam no quanto estou sofrendo com essas brigas, no quanto isso é difícil pra mim?
- Mas... - Minha mãe tenta argumentar.
- Mais nada mãe, fico vendo outros pais e fico pensando, porque os meus não poderiam ser assim? Mais não, vocês ficam disputando quem está certo, quem grita mais alto. Porque não podem ser um casal civilizado? - Desabafo em meio ao choro.

A essa altura eu já estava chorando, mas não me importava, eu tinha que botar aquilo pra fora. Falei tudo. Se meu irmão estivesse aqui, tudo seria mais fácil. Porém, ele está na Itália; cursando Turismo, então eu tinha lidar com isso sozinha. Subi pro meu quarto, deixei meus pais atônitos e boquiabertos na cozinha. Chorei, chorei e chorei até adormecer.

Acordei assustada, tive um sonho muito estranho. Havia um buraco e eu estava caindo nele, só que este buraco não tinha fim. Será que significava alguma coisa?
Entrei debaixo do chuveiro, deixei a água cair se misturando com as minhas lágrimas salgadas. Murmurei para mim mesma- Será que minha vida será sempre assim?
Rapidamente vesti o uniforme da escola. Amarrei meus cabelos em um rabo mesmo. Me olhei no espelho, estava com uma cara péssima; toda amassada e com os olhos vermelhos de tanto chorar. Olhei para a imagem refletida, olhos verdes me encaravam, seu cabelo ruivo meio acobreado se destacava com sua pele pálida, em seu rosto há algumas sardas espalhadas que davam a ela um certo charme. Tem estatura média, nem gorda nem magra. É até bonita.

Sentei-me a mesa, dei um beijo na minha mãe, meu pai já tinha ido trabalhar. Estava um clima meio tenso entre nós, devido ao que eu havia dito ontem. Pude ver algumas olheiras, pelo jeito, ela não tinha dormido direito. Meu desabafo tinha surtido efeito afinal.
- Mel, sinto muito por tudo...
Será que sente mesmo?
- Sente mesmo? - perguntei irônica.
- Meu anjo, é claro que sim. Você é a coisa mais preciosa que temos. Eu e seu pai conversamos ontem e percebemos que estamos agindo da forma errada e decidimos que...
- Vocês conversando? Milagres acontecem! - a interrompi.
- Me deixe terminar...
- Não quero saber.
Saí e nem dei tchau. Estava muito chateada ainda.

Segui meu caminho até a escola, ia andando mesmo, eram apenas dois quarteirões. A Power school, era considerada uma das melhores escolhas e felizmente eu estudava lá. Era enorme, tinha traços italianos. Na entrada havia uma escada que dava até o portão principal, um belo jardim, muito bem cuidado, logo a frente. A recepção e depois vários corredores em forma de t que davam para as salas, refeitório, estádios e biblioteca.
Fui até meu armário, olhei meu horário. No primeiro tinha inglês, segundo e terceiro matemática, quarto livre e no último Química "Aff! "
- Tá falando sozinha Mel?
- Não, tô falando com o "Gasparzinho" aqui- respondi com ironia
Bruna, era minha melhor amiga, desde quando tínhamos cinco anos. Tinha um corpo cheio de curvas bem distribuídas de dar inveja a qualquer uma, era loira e alta, podia ser até modelo.
- Oi Gasparzinho...
Começamos a rir. Na verdade ríamos de qualquer bobagem. Nunca estávamos separadas, brigávamos vez ou outra, normal né?
- Do que vocês estão rindo? Me contem também quero rir.

Esse era Jonas, meu namorado, o cara perfeito, romântico, bonito, engraçado... Namorávamos há seis meses. Estava no último ano do ensino médio, pra mim faltava mais um ano. Todos dizem que vamos nos casar, que formamos um casal perfeito e blá blá blá. Bruna olhou de um jeito meio estranho pra ele, ignorei, depois conversava com ela. Tinha muita coisa pra contá-la, infelizmente até da nova briga dos meus pais.
Mudando de assunto. Tenho muita sorte de ter encontrado o Jonas, ele é um namorado excepcional; me entende, tem paciência comigo; me trata super bem, entre outras coisas. Dei um beijo nele rapidamente. Bruna me puxou para irmos pra sala. Mas antes de ir olhei pra ele que estava estranho, meio inquieto, o que não era o seu normal.
- Aconteceu algo? - perguntei.
Ele olhou para mim com aqueles olhos cor de mel, pelo qual sou apaixonada , pois sempre mostrava cumplicidade. Hoje vi nervosismo .
- Podemos conversar depois? - Pede.
- Claro! Me espera depois da aula, ok?
- Te espero então.
Me deu um beijo e seguiu para o outro lado do corredor eu e a Bruna fomos pra sala, já estavámos atrasadas.
- A minha mãe hoje... - Bruna ia falar algo.
- O que será que aconteceu Bruna, ele tá tão estranho.
- Sempre foi Mel. Agora como eu ia dizendo, minha mãe hoje...
- Seja o que for logo ficarei sabendo o que ocorreu com ele né? - A interrompi mais uma vez.
- Claro.
Minha amiga respondeu com um certo desdém e ficou cabisbaixa a aula inteira. Mas minha cabeça estava em outro lugar.

A aula terminou e fui correndo para fora a espera de Jonas. Encontrei- o encostado na sua picape. Ele ficava lindo até com uniforme azul da escola, estava com um jeans meio desbotado, mesmo assim estava perfeito. Olhei pro seu rosto; ele tinha as maçãs bem arrendondas, moreno, cabelos cor de chocolate encaracolados dando a ele um ar angelical. Não cansava de olhar pra ele. Todas as garotas da escola babavam por ele - esse tem dona- pensei. Continuei olhando atentamente pra ele, tentando decifrar algo. Será que ele se cansou de esperar que eu estivesse pronta para... Esperei ele começar a falar.

Decisão finalOnde histórias criam vida. Descubra agora