Terça-feira, 7 de julho de 2015
Eu estou literalmente surtando. Acabei de desligar uma ligação do médico, Doutor Schoppen-alguma-coisa-qualquer e ele parecia sério. Há uma semana fui obrigado a fazer uma bateria de exames logo depois de cair desorientado no meio da rua. Sério, quais as chances de uma pessoa passar mal em plena Avenida Paulista, bem no horário do almoço? Fui submetido a todos os exames possíveis e fui furado em todos os lugares imagináveis (o que obviamente eu não quero falar sobre) e descartaram problemas motores e no coração. Mas ainda faltavam resultados de alguns exames e pelo tom de voz do Doutor Alemão alguma coisa estava acontecendo. Depois de horas falando sem parar e me enfiando termos técnicos dos quais eu só conhecia alguns — obrigado seriados médicos! — ele joga a bomba no meu colo:
— Daniel, eu lamento em ter que lhe dizer isto, mas você sofre de uma doença, digamos, rara.
Alguns segundos em silêncio se passaram até ele perceber que eu não tinha entendido nada, então ele começou a me explicar:
— Para simplificar, é uma doença hereditária que causa a degeneração da retina.
— Por isso o senhor ficou me perguntando sobre meu pai e sobre o pai dele?
— Basicamente, sim.
Eu só vi meu pai uma vez na vida e, até onde eu sabia, meu avô abandonou a família quando ele e os irmãos eram pequenos porque não aguentava a esposa. Mas eu falo mais sobre isso depois. Voltando ao consultório:
— E eu vou morrer?
— Não se ficar longe de telhados de prédios, pontes, precipícios, objetos cortantes, armas de fog...
— Já entendi! — o interrompi. — É claro que o senhor teve acesso ao meu prontuário psiquiátrico.
Resumindo: eu fui diagnosticado com um quadro severo de depressão e comportamento suicida.
— Mas você vai ficar cego.
— O QUÊ?
— Sinto muito, mas isso é o que a doença faz. Muitas pesquisas têm sido feitas nos últimos anos e há casos onde notamos importantes avanços clínic...
— Tá, tá bom. Que seja. Quanto tempo até acontecer?
— Infelizmente não há como saber. Como é uma doença progressiva, o declínio da visão será gradual, quando as células começarem a morrer. Talvez alguns anos, com sorte, mas também pode acontecer em meses.
Saí do consultório cambaleando e com vontade de vomitar. O som dos carros na avenida e das pessoas que passavam por mim atravessavam o meu cérebro e me deixava cada vez mais tonto. Precisei me apoiar em uma parede e respirar fundo algumas vezes até me acalmar.
Eu queria sair correndo, queria encontrar um ombro amigo para poder chorar, alguém com quem eu pudesse contar e desabar, de uma vez por todas até conseguir me recuperar, mas eu não tinha ninguém. Já não tinha mais amigos. Eles começaram a me abandonar aos poucos logo quando comecei a apresentar os sintomas da depressão. Tenho alguns amigos que fiz através do computador que estão espalhados por aí, mas só trocamos mensagens esporádicas. Tento ser descolado nas redes sociais e disfarçar minha dor com um bom humor forçado, mas ninguém parece reparar. Porque é isso que eles fazem: simplesmente não se importam. Tudo o que está fora da bolha do ego deles, eles ignoram. O único refúgio que eu tinha era dentro de mim mesmo e aquele não era um bom lugar. Era escuro, sujo e inabitável.
Enquanto caminhava sem rumo certo tentava processar todas aquelas informações que foram praticamente cuspidas na minha cara de uma vez. Só poderia ser uma brincadeira de mau gosto de Deus, do Universo, das forças que controlam a existência na Terra ou qualquer nome que você queira dar a isso. Parecia que era Ele se vingando por todas as vezes que eu tentei dar fim a minha vida. Uma vingança sádica e cruel, um alerta de que com Ele, não se brinca. Me deixar inválido era minha penitência. Com todo o respeito aos cegos, mas essa é minha história, então de uma maneira bem egoísta, vou tratar disso como eu bem entender.
Por fim, acabei indo para, se é que poderia colocar dessa forma, o único lugar que ainda me restava: a casa da minha mãe. Mesmo com todos os problemas, as neuroses e diferenças, pelo menos lá eu tinha onde ficar. O porão. Minhas posses? Somente um sofá azul marinho velho e puído. E foi nele que eu desabei.
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Antes de Escurecer (Pausado)
General FictionO que você faria se descobrisse que vai ficar cego? O que você faria se descobrisse que vai ficar cego e tem um histórico de depressão e tendências suicidas? Daniel descobre no auge da vida que tem uma doença que o levará a cegueira. Enquanto relemb...