7.3 Lugar de paz

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Já está escurecendo e pelas minhas contas — que não são nada exatas — eu andei mais alguns quilômetros. As nuvens estão cada vez mais escuras em cima da minha cabeça — e não só metaforicamente falando — e eu ouço alguns trovões ao longe. Um certo pânico começa a se instalar dentro de mim, pois uma tempestade se aproxima e eu não tenho onde me abrigar, mas eu tento controlá-lo. "É só respirar algumas vezes", eu repito mentalmente. Apresso os passos e tento procurar um lugar para passar a noite, mas só há um chão de concreto sem fim.

O sol já se foi e a noite toma conta do céu quase que por completo quando eu sinto gotas d'água caírem na minha cabeça. No começo elas são poucas, mas em questão de segundos já me deixam completamente encharcado. Maldita chuva de verão! Por impulso, atravesso a estrada e vou para a pista contrária. Começo a voltar pelo caminho e percebo um carro se aproximando. "Graças a Deus", eu penso. Faço sinal pedindo carona e ele para.

— Para onde? — pergunta o motorista.

Sem pensar muito, respondo o primeiro lugar que me vem a mente. Ou seria o lugar onde meu coração gostaria de estar? Que seja:

— Tem um hotel pequeno há alguns quilômetros à frente. Você pode me deixar lá, por favor.

O homem não era de muita conversa. Eu até que gostei desse fato, pois eu realmente não estava afim de papear naquele momento. Tinha um bigode mal aparado que o deixava com uma expressão carrancuda permanente. O silêncio reinava dentro do carro, mas não era constrangedor. Na verdade eu nem estava prestando muita atenção nesse fato, só sentia meu coração acelerado e estava com uma vontade louca de chegar logo ao meu destino. Eu não estava entendendo tudo aquilo muito bem, só sei que estava desfrutando toda aquela sensação. Quando passamos em frente ao restaurante em que estive mais cedo, vi que Dona Magdalena e Sr. Oswaldo estavam fechando as portas e tive vontade de gritar para eles que estava indo de encontro ao meu lugar de paz, mesmo sem ter certeza de nada. Aposto que eles ficariam felizes por mim, mesmo sem precisar saber dos detalhes.

Quando finalmente chegamos ao hotel, eu agradeci pela carona e desci do carro. Chovia mais forte e eu fiquei parado na frente do pequeno e velho prédio por alguns minutos debatendo comigo mesmo se aquilo era uma boa ideia. Vários pensamentos controversos passaram pela minha cabeça. E se Heitor só tivesse me convidado por educação? Ou por dó? E se ele não estivesse lá? Ou pior, e se ele estivesse acompanhado? Uma coisa que eu odeio ser é empata foda. Foi quando percebi que estava fazendo drama desnecessário que respirei fundo e entrei.

Ali estava eu, na frente do quarto 23. Bati na porta uma vez. Nada. Bati a segunda vez e esperei. Silêncio total. Bati uma terceira vez e estava me virando para ir embora quando escuto a chave virar e a maçaneta girar. Heitor estava com a cara amassada de sono e quase não acreditou que eu estava ali parado.

— Eles não têm mais quartos disponíveis. Será que você pode me emprestar uma toalha?

Ele riu e me convidou para entrar.

Minha mochila estava em um estado lastimável por causa da chuva e minhas roupas, assim como eu, estávamos ensopados. Tomei um banho quente demorado enquanto Heitor pediu para a camareira do lugar levar minhas roupas para a lavanderia. Ele me emprestou um agasalho e pediu chocolate quente para nós dois.

— Eu não tenho como te agradecer — eu disse. — Você salvou minha vida, literalmente.

— Você não precisa me agradecer. Só fiz o que qualquer um faria para ajudar um amigo.

— Então agora somos amigos?

— Se depender de mim, sim.

— Ok.

— O que foi? — ele perguntou enquanto se servia de mais chocolate quente.

— Nada.

Eu dei um gole na minha bebida.

— O que você misturou no chocolate?

— Nada.

— E desde quando chocolate tem gosto de conhaque?

— Esse é um chocolate especial. É importado!

— Sei.

— Tudo bem. Você me pegou — ele confessou, rindo.

— Até que está bom. Mas eu não quero ficar bêbado e acordar sem um rim.

— Eu jamais faria isso.

— Nunca se sabe...

— Como você ousa duvidar de mim? Somos amigos agora!

— Ah é. Faz sentido. Você venceu.

— Eu sempre venço — ele disse, rindo.

— Não tenha tanta certeza disso.

A camareira bateu na porta e entregou mais um travesseiro.

— E por falar em acordar... O quarto só tem uma cama. Como faremos — ele perguntou.

— Eu durmo no chão, sem problemas.

— Ou, a gente pode não dormir.

— O que você está sugerindo?

— Não seja ingênuo, Danny boy — ele sorriu se aproximando. — A propósito, eu sabia que a touca não era sua.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora