Quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Eu estou viajando há alguns dias, mas me sinto muito mais cansado do que eu poderia imaginar. Talvez tenha sido porque eu peguei carona em uma carroceria em uma caminhonete pequena e, já que eu viajei a noite inteira, precisei dormir lá mesmo, todo torto no meio de vários caixotes de madeira com verduras. Logo no começo da manhã o motorista me deixou em um ponto de ônibus na estrada porque ele seguiria para um caminho diferente do meu. Que é para lugar nenhum, por enquanto. Só sei que o lugar para onde ele vai não é para onde eu quero ir, por isso agradeci e desembarquei. Antes que ele partisse, desejei a ele que tivesse uma boa vida.
Como estava sem pressa e a mochila não estava pesada, resolvi andar alguns poucos quilômetros até encontrar uma pequena lanchonete à beira da estrada ao lado de um hotel, também pequeno e simples. Achei que era uma boa hora para colocar alguma comida para dentro enquanto decidia o meu próximo destino.
Por dentro a lanchonete era tão simples quanto era por fora, somente algumas mesas e um balcão lateral. Para mim era mais que o suficiente.
Estava com um mapa enorme aberto em cima da mesa tentando me localizar — maldita geração que só sabe fazer as coisas através de dispositivos móveis — quando percebi que tinha alguém parado na minha frente.
— Acredito que isso seja seu — era um cara aparentemente da minha idade que se referia a uma touca preta que ele estendia para mim.
Eu olhei para a minha mochila, que estava fechada, só para ter certeza.
— Não, desculpa.
— Tudo bem. Esse lugar está ocupado? — ele apontou para a cadeira que estava vazia que estava de frente para mim.
É sério que esse cara vai querer sentar aqui, com todas as outras mesas disponíveis, para puxar papo às oito da manhã?
— É claro que está, não está vendo?
— Pelo seu sarcasmo, certo?
Ele era bom. E continuou me encarando.
— Posso me sentar?
— Por que você não escolhe uma dessas mesas vazias? — eu estava fazendo o possível para me manter educado, mas o mau humor matinal e a insistência dele estavam dificultando as coisas.
— Eu até poderia, mas já tem bastante tempo que eu só converso com os funcionários daqui e eles são bem mais velhos. Nada contra, mas achei que faria bem eu manter uma conversa com alguém da minha idade, para variar.
— Minha mãe não me deixa falar com estranhos.
— Não seja por isso. Sou o Heitor — ele estendeu a mão para me cumprimentar.
Eu o olhei por algum tempo, tentando entender o que estava acontecendo ali e por fim apertei a mão dele de volta. Ele exalava confiança, mas de um jeito contido, era interessante.
— Daniel.
— Então, Daniel. O que te trouxe aqui?
— As pernas, basicamente.
Ele riu. Eu não me contive e também ri, mais por estar envergonhado pela piada ruim do que por ter sido uma tirada engraçada.
— Ok, então vou refazer minha pergunta, se me permite.
— Vá em frente.
— Por que você escolheu vir exatamente até esse lugar? Qual o motivo que te traz até esse meio do nada?
— Na verdade, minha carona só poderia me trazer até aqui.
— Você é um engraçadinho, não é? — ele riu outra vez.
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Antes de Escurecer (Pausado)
General FictionO que você faria se descobrisse que vai ficar cego? O que você faria se descobrisse que vai ficar cego e tem um histórico de depressão e tendências suicidas? Daniel descobre no auge da vida que tem uma doença que o levará a cegueira. Enquanto relemb...