3 - Um porão escuro de teto embolorado

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Quarta-feira, 8 de julho de 2015

Deitado no chão, no carpete imundo do porão, fico encarando o teto. Olho diretamente para a luz amarela que ilumina o quarto bem mais do que eu gostaria. Desafio meus olhos, como se os tivesse chamando para uma briga. Como se dissesse: "Vocês vão ficar cegos, então vamos ver quanto tempo aguentam!". Só paro quando finalmente percebo que essa infantilidade não vai me levar a lugar algum e sequer vai reverter meu diagnóstico. Quando fecho os olhos ainda consigo enxergar pequenas bolas que mudam de tamanho e cor, e imediatamente penso em como será quando eu finalmente perder a visão.

O porão da casa da minha mãe é apertado, quase beirando o claustrofóbico, mas eu gosto dele. Apesar de ser usado como depósito e de todo mundo achar que é uma extensão da área social da casa, invadindo a qualquer hora e entrando sem bater, aquele é meu lugar de paz. Não tenho absolutamente nada ali, vivo no meio das tralhas do meu padrasto, mas quando deito no meu sofá velho e fecho os olhos, por um momento o mundo não existe. Claro que eu tenho consciência do mundo todo em volta de mim, mas ao menos a minha realidade sobrecarregada e doentia dá lugar a um vazio silencioso e aconchegante. A sensação é tão boa que parece palpável.

Além do sofá, minha única posse é um computador, também velho. Não tenho o costume de usá-lo, mas sinto a necessidade de conversar com alguém e é com a ajuda dele que vou fazer isso. Sou muito melhor no mundo virtual que no real. Online eu posso ser quem eu quiser e muitas vezes me aproveito disso. Mas não hoje.

Das poucas vezes que fico conectado, procuro por chats dos mais variados assuntos para brincar de interpretar e ter a sensação de como é ter outras vidas, mas quase sempre acabo na mesma sala: a dos socialmente desajustados. Clico no link e espero a página carregar. Atualmente quase ninguém mais usa salas de bate papo por ser uma tecnologia ultrapassada, mas essa sala sempre está cheia. Geralmente não paro para pensar em quem está do outro lado da tela, mas é meio assustador saber que várias pessoas se identificam como desajustadas. Eu rolo a barra de participantes esperando que ele esteja lá, e por sorte, ele está. Guru327 é alguém com quem eu converso há muitos anos. Não sei quem ele é — ele pode até ser ela — e ele não sabe quem sou eu. Nos contentamos em apenas conversar sem entrar em detalhes pessoais.

— Oi, Guru!

— Olá, Train — meu nickname é Trainwreck23. — Como vão as coisas?

Gosto de conversar com Guru, pois assim como o apelido sugere, ele se porta como tal e sempre tem ótimos conselhos. Fico feliz de ter seguido minha intuição assim que vi o nick dele pela primeira vez e senti que ele seria um ótimo amigo.

— As coisas se complicaram um pouco. Fico feliz em ter te encontrado aqui. Desde a última vez em que nos falamos, as coisas viraram uma bola de neve e hoje elas chegaram ao limite.

— O que aconteceu?

Contei a ele toda a conversa com meu médico e o resultado dos meus exames. Guru demorou alguns minutos para responder, cheguei a pensar que a conexão dele havia caído. Percebi que ele estava digitando e rapidamente sua resposta apareceu na minha tela:

— Vá aproveitar sua vida!

Senti meu rosto começar a queimar e os músculos das minhas mãos se retraírem. Que raio de conselho era esse? Depois de tudo o que nós tínhamos conversado, de ter contado todos os meus problemas, de ter acabado de contar a ele que eu vou ficar cego, ele me vem com essa de aproveitar a vida? Estava quase desligando o computador aos chutes quando vi que ele tinha mandado mais mensagens:

— Eu sei que isso parece vago, ou até mesmo loucura. E se te conheço bem, você está nesse exato momento querendo socar alguma coisa, ou até mesmo a minha cara, mas pare para pensar: o que você tem a perder?

Ele é muito bom com as palavras.

— Ficar cego é uma coisa horrível e eu fico muito triste por você ter que passar por isso. Mas só porque algo é ruim não significa que você não possa tirar alguma coisa de boa disso. Vá conhecer gente nova, lugares novos, experimentar coisas novas... Faça o que sempre teve vontade de fazer antes de escurecer.

E como em um estalo, tudo o que Guru me disse fez sentido. Não é só porque minha vida está uma merda — e vai piorar — que eu preciso conviver com essas coisas ruins para sempre. Se eu tenho pouco tempo, o melhor a fazer é aproveitar da melhor maneira possível, e não deitado em um sofá para sempre encarando um teto bolorento. Enviei uma mensagem como resposta:

— Você não poderia estar mais certo! Vou seguir seu conselho e aproveitar o tempo que me resta. Se essa for a última vez em que nos falamos, desejo que você tenha uma boa vida, meu amigo.

— Boa sorte, Train — Guru respondeu e desconectou.

Minha pele começa a formigar e minha respiração fica mais rápida e descompassada. Várias ideias começam a passar pela minha cabeça ao mesmo tempo. Fazia tempo que eu não me sentia tão empolgado como estou agora e eu não consigo nem pensar direito. Ando de um lado para o outro do porão esfregando as mãos suadas na minha calça pensando no que fazer primeiro. Sem me censurar, pego minha mochila de acampar e começo a jogar minhas coisas dentro dela. Não demora muito e eu me jogo no sofá respirando fundo, tentando acalmar a minha adrenalina. É a última vez que vou olhar para aquele teto embolorado.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora