6 - A garota que eu conhecia

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Quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Minhas coisas já estão todas arrumadas, mas antes de partir, preciso fazer uma última coisa. Preciso encerrar um capítulo da minha vida que ficou em aberto, e é isso que estou indo fazer. Acho melhor aparecer de surpresa, porque tenho certeza de que se eu tentar avisá-la, ela não vai querer me ver. E não tiro a razão dela. Espero do lado de fora do prédio e alguns minutos depois a reconheço no meio de vários alunos saindo apressados. Respiro fundo e me aproximo:

- Marcela!

- Daniel? - ela me olha surpresa. - O que está fazendo aqui?

- Nós podemos conversar? É importante.

- Depois de meses, você aparece sem avisar e quer conversar? O que você quer? Estou atrasada.

O fato dela estar nervosa me deixa ainda mais ansioso e eu preciso me controlar para não estragar as coisas.

- Eu só preciso de alguns minutos. Será que podemos ir a algum lugar mais tranquilo?

Mesmo desconfiada, ela concorda e vamos até uma lanchonete do outro lado da rua. É horário de almoço, mas escolhemos um lugar nos fundos mais reservado e calmo.

Eu conto a ela tudo sobre o diagnóstico e ela coloca as mãos sobre as minhas, com os olhos cheios d'água.

- Dan, eu não fazia ideia. Eu sinto muito.

- Tudo bem. Fui pego de surpresa, mas não posso deixar que uma doença defina quem eu sou, certo? Preciso continuar a vida e é por isso que estou aqui.

Os olhos dela estão parados fitando os meus, me dando toda a sua atenção, sem as barreiras que ela tinha criado há poucos minutos.

- Eu decidi ir embora - eu continuo. - Mas não quero deixar assuntos inacabados por aqui e você e eu não terminamos de uma forma muito civilizada. Por isso vim até aqui hoje me despedir de você e pedir perdão, o que eu deveria ter feito ano passado.

- Dan, você não precisa, mesmo - ela diz enquanto inclina a cabeça um pouco para o lado enquanto me olha. Uma lágrima escorre e eu penso bem nas palavras que direi, para não causar mais estragos.

- Preciso sim. Me deixe fazer isso, por favor.

Ela assente.

- Eu poderia ter escrito uma carta, ou enviado uma mensagem e tudo seria mais fácil. Mas por toda minha vida optei pelo mais fácil, e olha para onde ela me levou. Você foi a melhor coisa que me aconteceu em um período difícil, onde eu lutava para ser eu mesmo enquanto acontecia uma guerra dentro da minha cabeça. Eu disse coisas que não deveria, coisas bobas que te afetaram de uma forma que eu não esperava e jamais tive a intenção.

Ela começa a chorar.

"Eu acabei estragando a única chance de me manter são e sóbrio e desde então fico remoendo tudo isso e pensando em uma forma de reparar tudo isso, mas acredito que, infelizmente, isso não seja mais possível. Então a única coisa que posso dizer é que sinto muito. Você é uma pessoa especial e foi o único raio de sol no meio daquela minha vida cinza. Eu não soube reconhecer e por isso eu peço perdão.

Os olhos de Marcela estão vermelhos e inchados. Ela enxuga o rosto com as costas da mão e volta a me encarar. Eu presto atenção no rosto dela, tentando gravar aquela imagem para que eu não me esqueça dele quando já não puder mais enxergar. Não a imagem dela chorando, mas a daquele rosto que já fora tão presente em minha vida um dia.

- Confesso que na época eu não entendia o que estava acontecendo e atrapalhei ao invés de ajudar - ela finalmente fala. - Eu também preciso me desculpar, pois deveria ter sido mais compreensiva e ter te ajudado mais. Eu só... não conseguia.

- Você me ajudou mais do que imagina.

Eu sorrio para ela, tentando aliviar o peso daquele momento.

- Eu poderia ter feito mais.

- Você fez tudo o que estava ao seu alcance e mesmo assim eu não fui grato o bastante. Mas, o mais importante é que conseguimos seguir com as nossas vidas. Eu sempre serei grato a você.

Eu aperto minhas mãos nas dela e ela finalmente sorri.

- Quando você vai embora?

- Amanhã.

- Você vai voltar?

- Não sei. Talvez. Talvez não.

- A mesma indecisão de sempre - ela ri. - Tem coisas que nunca mudam.

- Vou tomar isso como um elogio.

Nos olhamos por mais alguns instantes e nos levantamos para um abraço. Um último abraço.

- Fique bem - eu digo.

- Seja feliz.

Eu dou um beijo na testa de Marcela e me despeço. Saio sem olhar para trás, mas com o coração mais leve.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora