5 - Eu prefiro a primeira opção

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Quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Estou trancado em meu quarto há dois dias. Dois dias que não vejo a luz do sol e a cara de ninguém. Em todo esse tempo que estou aqui, minha mãe sequer se incomodou em checar como eu estou. Eu poderia estar morto que ela nem notaria. Estou cansado de ficar aqui, mas ainda mais cansado de brigar.

Minha mãe nunca escondeu o fato de eu ser um erro na vida dela. Engravidou por um deslize e não pensou duas vezes em abortar. Só não seguiu com o plano, pois minha avó descobriu e a impediu. Não que eu seja completamente agradecido pela interferência da minha avó, mas isso é outra história.

Quando engravidou de mim, minha mãe estava focada nos estudos e na vida profissional. Ela estava no quinto período de Direito e era considerada um prodígio. Tinha acabado de conseguir um estágio em um dos maiores escritórios de advocacia da cidade, mas algo atravessou o caminho dela e atrapalhou todos os planos. Esse algo era eu.

Não sei onde meu pai se encaixa nessa história toda, minha família mal toca nesse assunto e eu fico sem respostas. Mas, na verdade, é até melhor eu não saber do que acabar descobrindo que ele era conivente com isso tudo.

Meus irmãos nasceram pouco tempo depois de mim, em uma diferença de 3 e 4 anos, respectivamente. A pouca diferença de idade entre nós foi compensada com uma diferença enorme em como nossa mãe nos trata. Vinícius e Henrique são os queridinhos da mamãe. Ela os superprotege e cede a cada chantagem emocional que eles fazem. E eu, fico com as migalhas. Nunca fui bom e descolado o bastante para andar com meus irmãos, que não se desgrudam e nunca fui tão interessante ao ponto de ter uma conversa inteira sobre qualquer assunto com meus pais. Para as pessoas de fora, eu era o mais inteligente, o mais interessante e o mais focado. Para minha família, eu era somente o chato que vivia isolado. Tudo o que eu sempre quis foi um pouco de atenção, mas eu não vou mendigá-la.

Mal voltei para a casa da minha mãe e os mesmos problemas de sempre retornaram como se nunca tivessem deixado de existir. Meus irmãos voltaram a implicar comigo por qualquer coisa, somente por diversão, e minha mãe continua a me ignorar. Às vezes ela até finge se importar e se interessar, mas eu não consigo lidar com aquela situação forçada e sempre acabo explodindo.

Estou quase adormecendo e eis que alguém lembra da minha existência e bate na porta. Eu limpo a garganta e digo que a porta está aberta. É minha mãe.

— Seus irmãos chegaram.

Respondo com um "Sei" desinteressado, mas ela continua.

— Você vai precisar desocupar o quarto — ela diz sem rodeios.

— O quê? Por que?

Ela suspira longamente e se aproxima para sentar no pé da cama.

— Seu irmão voltou para casa.

Henrique saiu de casa há mais ou menos 3 meses para morar com a namorada. Minha mãe não ficou feliz na época, mas começou a mandar dinheiro para eles logo depois, com medo de que ele passasse alguma necessidade.

— E daí? — eu continuo desinteressado.

— E aí que... bom... ele não veio sozinho. A Gabriela está grávida e os pais a expulsaram de casa. Eles precisam de um lugar para ficar.

— Que burro!

— Não fale assim do seu irmão!

— Como não, mãe? Ele só tem 17 anos. Tá certo que ele não é nenhum gênio nem tem o futuro tão promissor, mas...

Parei de falar quando notei que minha mãe estava com uma expressão amargurada e com o pensamento longe. Não precisa ser muito esperto para saber que ela estava relembrando de tudo o que aconteceu com ela quando engravidou de mim.

— Por favor, só desocupe o quarto.

— Mas e o quarto antigo do Henrique?

— Você sabe que eu não posso me desfazer do escritório.

Quando Henrique saiu de casa, minha mãe aproveitou o quarto vazio para montar o tão sonhado escritório que ela sempre quis. Ela não podia se desfazer dele, mas eu, que não tenho nada a ver com a história teria que abrir mão das minhas coisas por causa de um erro do meu irmão? Minha vontade era de esbravejar e gritar que eu não sairía, mandar meu irmão e a namorada se virarem, dizer para minha mãe se virar de outro jeito e fechar a porta na cara dela, mas eu não conseguia. Esse não era eu e, por mais que eu sempre saísse perdendo, eu cedia por medo de ficar sozinho no mundo. Mas, por outro lado, eu não podia deixar de provocar, pelo menos um pouco.

— Tudo bem, mãe, eu saio. Mas você vai me colocar para correr de novo?

— Eu nunca te coloquei para correr, seu mal agradecido! E sempre te acolhi quando você precisou.

— Eu sei.

— Você pode ficar no porão.

— Eu prefiro a primeira opção. — Deixei escapar um sorriso.

— Seu bobo! São tempos difíceis, eu sei, mas obrigado — ela disse me abraçando. — É bom saber que eu posso contar com você.

"E eu, com quem posso contar?", tive vontade de perguntar, mas achei melhor só assentir e arrumar minhas coisas.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora