9.1 - O primeiro emprego e uma tia velha

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Terça-feira, 14 de junho de 2011

Hoje faz oficialmente três meses que comecei a trabalhar. Não é meu emprego dos sonhos, longe disso, mas até que é bem legal. Conheci muitas pessoas diferentes que estão se tornando aos poucos bons amigos. Muitos aqui trabalham para sustentar os filhos, outros para pagar a faculdade e outros porque — vamos ser bem sinceros — não têm qualificação para mais nada. Já eu, trabalho porque é divertido. E também porque acabei de completar a maioridade e o estabelecimento pertence a minha família.

Ainda nem abrimos, mas já existe uma fila pequena de consumidores na porta da padaria-barra-doceria, graças à nova receita inventada pelo meu tio: um tal bolo mil-folhas de churros. Coisas de cidade pequena. Não é de se espantar que metade da população daqui esteja obesa. As senhoras de idade na fila parecem cachorros parados em frente à maquinas de frango assado. A comparação com cachorros também se encaixa perfeitamente porque elas estavam alvoroçadas tentando desesperadamente marcar território para não serem passadas para trás. Só faltavam urinar para ajudar no processo.

E eu estou atrasado, como de costume. Precisei lutar para me desvencilhar de cotoveladas, puxões e empurrões de pessoas que achavam que eu estava furando fila. Assim que consegui convencê-las de que eu era um funcionário e garantir que a loja abriria mais cedo — mentira, óbvio — elas me deram passagem, mas algumas das que estavam na frente quase derrubaram a porta quando eu estava tentando fechá-la novamente. Precisei da ajuda de mais dois funcionários para conseguir conter os ânimos. Não entendo porque não instalam uma porta dos fundos só para funcionários. Seria tão mais prático, mas segundo meu tio, "é preciso cortar gastos, e porta gasta muito." Aham.

Bato na porta do escritório e espero, mas ela não responde. Decido arriscar e entrar assim mesmo e ela está sentada à mesa me esperando. Não consigo ler as expressões dela então acho melhor que ela comece a conversa. Os filhos dela — os únicos primos da família com quem eu não converso — também estão na sala, dois de cada lado da mesa, como se estivessem escoltando a mãe. Eu não gosto nada disso.

Ela continua me encarando com frieza e mentalmente eu fico repassando todos os meus dias de trabalho tentando entender o motivo dela ter me chamado até aquela sala escura e com paredes mofadas — me sinto em um filme da máfia italiana. Eu sei que não sou o melhor funcionário do mundo, mas acredito que não esteja entre os piores.

Decidi que já passava da hora de alguém tomar a atitude e iniciar a conversa e, como parecia que a iniciativa não partiria de nenhum deles, limpei a garganta e tomei a frente:

— Bom dia — forcei um sorriso que acabou saindo desconfortável. — Queriam falar comigo?

Minha tia deu um suspiro longo e massageou as têmporas enquanto fechava os olhos, talvez procurando pelas palavras certas para o sermão. Meus primos — quais são os nomes deles mesmo? — continuam me encarando. Cada um suando mais que o outro, todos têm marcas de suor debaixo dos braços e as testas estão brilhantes pelo suor que escorre — o engraçado é que a temperatura nem está tão alta. Como se meu olfato fosse automaticamente ativado pelo que está bem em frente aos meus olhos, sinto que o cheiro que vinha deles era forte e azedo. O famoso cecê. Engraçado, sempre achei que pessoas ricas cheiravam bem. Eles devem ser uma exceção à regra. Finalmente minha tia fala:

— Está é a quarta vez que você chega atrasado, fora os dias em que você falta e não dá satisfação. Posso saber o que está acontecendo, Daniel?

Em minha defesa, eu sei que sou irresponsável, mas estou trabalhando nisso exaustivamente.

— Como se isso fosse uma justificativa válida — um dos rinocerontes que eu chamo de primo riu, mas era como se ele estivesse relinchando.

— Já chega, Adriano! — disse minha tia.

Adriano, esse era o nome dele. Agora só falta lembrar o do outro troglodita.

— Tia, por favor. Hoje a culpa não foi minha, de verdade. Meu pai desligou meu despertador para que eu perdesse a hora. Nós tivemos uma briga ontem e esse foi o jeito que ele encontrou de me punir.

— Eu não quero saber do que acontece entre você e seu padrasto.

— Meu pai.

— Que seja! Não me interrompa outra vez. Vou ter uma conversa muito séria sobre você com seu tio na reunião de hoje. Enquanto isso, pode voltar ao seu trabalho.

— Com licença — pedi usando o máximo da minha educação e saí.

Na área do balcão o caos estava instalado. As portas haviam sido abertas havia pouco tempo e as pessoas estavam descontroladas. Todas queriam a tal novidade e os funcionários não estavam dando conta.

— Ainda bem que você chegou! — gritou Cibele por cima dos ombros quando me viu. — Isso aqui está uma loucura!

— Deu para perceber!

Dois funcionários estavam tendo muita dificuldade de organizar as senhoras — a maioria velha e gorda — em uma fila. O volume de gente era tanto que eles desistiram e voltaram para o balcão para ajudar a atendê-las.

— O que sua tia queria com você? — Cibele quis saber?

— Me dar bronca porque eu cheguei atrasado.

— E como foi?

— Ela disse que mais tarde vai decidir com meu tio se me manda embora. Mas o que eu achei mais estranho foi que ela se referiu ao meu pai como meu padrasto.

— Deve ser a idade. Aquela ali já está passando do prazo de validade.

Nós rimos e continuamos a atender os clientes.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora