10 - Quem é meu pai?

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Eu caminho lentamente para casa. Minha cabeça está fervendo com tudo o que aconteceu e eu não sei o que fazer. Não quero confrontar minha mãe, odeio confrontos e ela também. Mas a curiosidade e a necessidade de saber minha história verdadeira são maiores do que meu desejo de evitar conversas sérias e, dessa vez, minha mãe não vai poder mentir para mim. Sei que nosso relacionamento é complicado, mas ela não faria isso comigo. Ao menos, espero do fundo do coração que não.

Meus passos são lentos porque preciso pensar em uma forma de abordar minha mãe com calma, sem muito alarde. Preciso pensar em alguma coisa que surta algum efeito, porque se eu assustá-la com uma abordagem agressiva, ela vai se esquivar. Ela sempre se esquiva. Mas eu não tenho mais tempo para pensar porque já estou na frente de casa.

Abro o pequeno portão que separa a calçada da entrada e o deixo aberto, porque meu foco está na porta de entrada. A minha respiração fica pesada, sinto como se várias nuvens cinzentas e pesadas pairassem em cima da minha cabeça. Me sinto atordoado e agarro a maçaneta da porta para não cair, porque meus joelhos falham. Estou a poucos segundos de descobrir algo que pode mudar minha vida e não sei como posso reagir. Na verdade, nem sei se quero saber da verdade. Mas, por outro lado, não posso viver com essa dúvida para sempre.

Finalmente entro em casa e minha mãe está sentada no sofá lendo uma revista. Ela age como se estivesse me esperando, mas duvido muito. É só uma coincidência. Minha mente já começa a tentar me pregar peças e eu não vou cair nessa pilha de que tudo está conspirando contra mim.

— O que houve, Daniel? - ela se levanta e me olha com uma leve preocupação. — Você está pálido. E suando em bicas!

— Sentar...preciso - são as duas únicas palavras que eu consigo pronunciar.

Sinto todo o meu corpo começar a tremer e minha cabeça gira por causa da ansiedade.Tento chegar até o sofá, mas minha mãe me impede.

— Não vai sentar aí e molhar todo o meu sofá novo! Fale o que está acontecendo de uma vez. Não tenho tempo para perder com essas suas frescuras.

Minha mãe, sutil como um soco de direita bem dado. Eu sabia que a preocupação comigo não seria maior do que com a que ela tem com a mobília. Eu apoio as mãos nos meus joelhos e tento respirar fundo para me acalmar. Só que o efeito é o contrário e eu sinto que posso desmaiar a qualquer momento. Então, pergunto logo de uma vez, mesmo com dificuldade:

— Quem é meu...pai?

Tento parar de tremer e fico de pé para olhar nos olhos dela. Ela está confusa e não sabe bem como reagir. Gagueja um pouco e começa a andar pela sala para evitar contato visual.

— Que tipo de pergunta é essa, Daniel? Seu pai é seu pai! Seu pai se chama Pedro. Sempre foi e sempre será.

Ela ainda não me olha nos olhos.

— Agora você me dê licença que tenho coisas mais importantes para fazer do que ficar aqui ouvindo suas perguntas descabidas.

Sai agitada da sala e, se eu estivesse em condições normais, teria gritado. Teria revidado, feito alguma coisa! Minha mãe estava mentindo e eu sabia. Como ela pode mentir assim, na minha cara? Ainda mais sobre um assunto tão importante quanto esse!

Começo a me sentir claustrofóbico e saio da sala o mais rápido que consigo. Já do lado de fora, me deixo cair na calçada e coloco a cabeça entre os joelhos. Fico encarando o chão e tento respirar fundo para me acalmar. Poucos minutos só respirando e já me sinto um pouco melhor.

Olho para o relógio e ainda não é tão tarde. Em um ímpeto eu me levanto e começo a andar o mais rápido e do jeito mais digno que consigo. Se eu preciso de respostas, já sei onde vou consegui-las. A minha vontade é de correr, mas, se eu fizer isso tenho certeza de que vou cair no meio da rua. Então, tento manter os passos largos. Minhas pernas começam a doer e a respiração fica falha por causa do esforço para andar rápido. Sinto como se estivesse respirando fogo, pois meus pulmões queimam. Mas não posso desacelerar. Se eu diminuir o ritmo agora, sei que vou dar meia-volta e desistir de tudo. E não posso deixar esse assunto para lá.

Finalmente chego ao meu destino e, por sorte, percebo as luzes do interior acesas. Minha tia ainda deve estar no escritório. Se tem alguém que pode me falar a verdade, é ela. Eu entro e, mesmo sem saber o que falar, vou em frente.

Ela ainda estava na sala onde eu estive mais cedo. O lugar onde recebi minha demissão. Entro sem fazer barulho e ela se assusta quando me vê e levanta da cadeira.

— O que você está fazendo aqui, moleque?

— Quem é meu pai?

— Eu é que vou saber? - ela acende um cigarro e pigarreia após o primeiro trago. — Já experimentou perguntar para a sua mãe?

— Claro! Perguntei e ela pediu pra eu vir aqui falar com você. Porque é sempre um prazer conversar com a senhora.

— Você é muito atrevido, sabia? Me dê licença que eu já estava indo embora.

Ela vai em direção à porta, mas eu sou mais rápido e bloqueio a saída. A chave está na porta e eu a tranco.

— Você não vai a lugar nenhum! Não vai sair enquanto eu não souber a verdade!

Eu sei que é uma atitude horrível, mas o momento pede essa medida desesperada.

— Eu não vou te dizer nada, seu insolente de merda! Me deixe sair! Socorro!

Ela começa a gritar e eu fico com medo do que pode acontecer se eu continuar a mantendo presa. Destranco a porta, mas volto a perguntar:

— Quem é meu pai? Por favor, tia. Eu sei que não somos tão próximos e muito menos amigos, mas por favor! Por favor, só me diga se o Pedro é ou não é meu pai.

Meus olhos começam a queimar e eu sinto que posso desabar a qualquer momento, mas tento controlar as lágrimas porque não quero que minha tia note mais fraqueza em mim do que eu já estou demonstrando.

— Eu já disse que não me interes...

— O Pedro não é seu pai - diz meu tio, entrando no escritório e interrompendo minha tia.

— O que? - eu me viro para olhar para ele e pergunto novamente só para ter a certeza de que ouvi direito.

— O Pedro não é seu pai - ele repete. — Agora vá para casa e converse com a sua mãe.

— Eu tentei, mas ela não quer me fal...

— Acabei de falar com ela ao telefone e ela me disse o que aconteceu - ele me interrompeu. O tanto de interrupção que ele faz me irritaria muito se fosse em qualquer outra situação. — Ela me ligou e eu vim buscar sua tia para depois irmos procurar você. Ainda bem que você não nos deu esse trabalho. Agora vá. Vocês têm muito o que conversar.

Eu permaneci fitando o chão enquanto ele falava. Meu tio sempre teve uma dureza no olhar que era difícil de encarar. Então eu só aceno e vou embora.

Antes de Escurecer (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora