Epílogo

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Oi, Andy.

É, eu sei. É estranho estar escrevendo para você depois de tantos meses.

Eu fui para nossa antiga cidade semana passada, tinha que recuperar o que havia deixado para trás e buscar o que era meu por direito. Colocamos a casa de minha avó à venda, eu e Vincent. Ele me ajudou em tudo.

Eu esperei vê-lo, mas soube que você mudou de país.

(Você não levou Esther? Por quê? Não que eu desejasse que vocês estivessem juntos, mas de repente, tudo o que eu passei teria uma razão, um valor, entende?)

Sei também que você provavelmente nem vai ler isso. Talvez essa carta algum dia se perca e seja lida por algum estranho, mas de qualquer forma, eu sinto que preciso fazer isso – a considere como um rito de passagem, um passe para a minha liberdade.

            Hoje é o julgamento de Diana. O advogado me garantiu que ela não vai para a prisão, ela não está nada bem, você sabe. Eu não queria ir, se eu pudesse eu sumiria. A verdade é que eu não posso me abster de mais nada, Vincent me convenceu disso. Estive cego por muitos anos, eu preciso viver algo concreto, palpável, sabe?

            Vincent está lá embaixo me esperando, eu disse que precisava de um tempo sozinho. Ele me dá todo o espaço que preciso, para refletir, pensar no que passei, inclusive sobre você. Eu me sinto finalmente em paz; achei que nunca conseguiria, mas você precisa me ver ao lado dele.

Eu sou outra pessoa, Andy.

            E estou feliz, fique tranquilo quanto a isso. É uma vida totalmente diferente da que achei que fosse ter, mas isso não ruim de forma alguma. É mais do que eu acreditei merecer. 

            Isso me faz pensar no passado. Eu sei que é errado, principalmente para mim. Mas é que é engraçado como as coisas se perdem fácil de nossas mãos, elas escorregam silenciosas e nós nem damos conta. Continuamos fingindo ter algo que nem sequer mais existe. Levando apenas uma sobrevida.

O que eu sentia por você, eu pensei que fosse amor.

Mas depois de analisar as pessoas e a mim mesmo, tudo o que nos rodeia, eu já não tenho tanta certeza.

Talvez amor nem exista.

Não me interprete errado, por favor, eu não estou voltando atrás no que disse para você no passado. É só que não me satisfaço com uma única definição. Ainda que seja de mais fácil entendimento dessa forma, ela não se encaixou de nenhuma maneira nas situações que vivenciei.

Dizem que o amor em seu puro estado não faz mal a ninguém...

Veja bem, Amelia dizia amar Vincent, assim como Diana, e Jack dizia ser perdidamente apaixonado por Amelia. Todas essas pessoas fizeram coisas condenáveis... Eu me incluo nisso. E como me incluo!

Será que era realmente amor o que os movia? O que me movia?

De repente, nada nessa história é sobre amor. E sim sobre sentimentos travestidos de amores.

Possessividade, inveja, ciúme, ganância, vingança, poder.

Ou um pouco mais do que isso. Talvez sejam todos esses em maiores ou menores proporções combinados com seus opostos e tão complementares: atração, encantamento, veneração, amizade.

Uma fusão perigosa.

Por que o amor é tão desastroso, Andy?

Será que fomos nós nossos próprios e piores inimigos?

Ou nossa natureza humana facilmente corrompida?

Às vezes eu me sinto preso em um ciclo pensando sobre isso. É enlouquecedor.

Vincent diz que me ama o tempo todo. Fico surpreso com o fato de isso não me fazer mal, pelo contrário, é bom – ainda que eu nem sequer entenda o que isso quer dizer. Ele está tentando abdicar de algumas de suas práticas, outras eu nem quero que ele abdique.

Faz eu me sentir real, você não entenderia.

Será que é isso que realmente importa? Respeitar e ser respeitado. Conviver, entender o outro, superar os defeitos, ser capaz de ceder. 

Olhe, não estou tentando fazer de você um cético ou qualquer coisa do tipo. É só que é complexo demais para simplesmente estar no dicionário. E, pensando nisso tudo, existem coisas que eu preciso admitir para continuar seguindo em frente (quem sabe desta forma, eu finalmente realize a verdade e deixe você ir).

Não vou conseguir me esquecer de você.

Nunca.

Eu às vezes me imagino bem velhinho lembrando do seu rosto, pensando em como você está, como teria sido se tudo fosse diferente. Precisamos controlar a mente ou ela nos controla (talvez você se sinta da mesma forma, eu espero que sim. Isso não é ruim, quero dizer, fizemos nossas escolhas). O que passamos está dentro de mim, em minha pele, circulando em minhas veias; eu me tornei o que sou hoje graças a esse sentimento (que, meu deus, eu nem sei o nome!).

Mas eu não quero sua piedade ou compaixão. Não mais.

Eu não desejo mais nada de você, Andy, e isso não é desdém.

Ainda que eu esteja longe daquela superioridade que dizem vir com o verdadeiro amor e desejar sua felicidade mesmo sem estar do seu lado e tudo mais (eu precisaria viver pelo menos mais 100 anos para ser capaz disso), ainda assim, eu tenho orgulho de dizer que, a cada dia que passa, eu penso menos em você.

Por esse motivo, não haverá novas cartas. Não me entenda errado, é menos sobre você e mais sobre mim. Eu só não posso perder mais um segundo da minha vida com essa história, vou ser leal a quem me espera lá embaixo. Ele é gentil, carinhoso, deslealmente bonito, tem uma personalidade irritante – confesso, é a minha parte favorita nele –, sabe o exato momento de não dizer nada e, quando sim, suas palavras me atingem certeiras, faiscantes, como se me conhecesse há anos.

E, então, ele me tem. Mais uma vez.

Eu não sei o que é amor. E por não saber, não posso dizer com propriedade que não o sinto em chamas dentro de mim. 

Vai chegar o momento, Andy, em que tudo o que vivemos será apenas uma lembrança distante.

E eu espero ansiosamente por esse dia.

Um abraço,
Travis Young.

No Escuro || (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora