Capítulo 13

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Narração de Sebastian

        Cheguei tarde na casa que tínhamos alugado. Era velha e antiga. O fedor bolorento tomava conta da construção, se misturando ao cheiro carunchoso , empregnado em meu nariz havia dias.  Estava escuro, mas logo amanheceria e ninguém tinha voltado ainda, preocupei-me. Após relaxar um pouco, pensei em como aquela jovem tinha reagido ao saber que a amiga estava  morta. Eu a deixara tão assustada e confusa na varanda da festa na qual  eu entrara de penetra que nem pensei no estado da pobre garota.  
        Era certo que devia ter sido mais corajoso  logo cedo, antes que Angel sumisse. Mas como trair aquele que fez tanto por mim? E afinal de contas, eu não conseguiria salvá-la do seu destino nem que eu quisesse, não sozinho.
       Ao ir lá, era com a intenção de avisá-la do perigo que corria naquela cidade. Porém, quando vi seus olhos, tão cheios de medo, de aflição, vacilei.  Minha coragem desapareceu  e num segundo sumi de onde estava e fui para uma varanda mais distante da multidão que me cercava. A essência  de sangue inundava a festa inteira. Cada perfume, cada aroma era sentido por mim, e isso já estava me dando  sede. Tinha que sair dali e enfim decidir como proceder. Talvez num lugar mais calmo, diferente dos outros, eu  conseguisse pensar melhor.
        Era estranho eu me preocupar tanto com ela. Kian teve tantas obsessões como aquela, eu já era  acostumado e sempre foi algo que não me importava. Mas agora era diferente, eu sentia que devia protegê-la com todas as minhas forças. Desde a noite que a salvei naquela floresta me sentia assim, num estado constante de preocupação. E depois  de  vê-la adulta, algo fluiu dentro de mim.  Um sentimento forte,  que nunca me veio antes. Ela estava tão bonita. Meu coração disparou ao encarar seus olhos.  Agora seu rosto fixara  na minha cabeça como um prego na parede. Imaginei coisas que jamais poderia ter.  Queria beijá-la, tocar seu corpo, mantê-la em meus braços para sempre. Fantasias que nunca se  realizariam, pois ela provavelmente, ou melhor,  com certeza estava morta, e de um certo modo por minha culpa, que não tinha sido forte o suficiente para lhe avisar que Kian pretendia  assassiná-la por puro egoísmo. 
        Apesar da confusão de sentimentos dentro de mim, a sala vazia me alegrou um pouco. Todos estavam com Kian, para meu alívio. Queria ficar sozinho, sem precisar esconder minhas emoções. Apaguei as luzes e sentei numa confortável poltrona  pensando na desculpa  que daria ao Mestre quando ele chegasse, já que todos deveriam ter ido para assistir o "show".
       Enquanto esperava pelos meus irmãos, um cheiro estranho encheu minhas narinas. Levantei-me  procurando ver quem estava lá. Um gato preto saltou da janela e caiu em um baque surdo no chão. Sorri tristemente.  Estava muito tenso. Fechei os olhos, tentando não imaginar mais nada. Assim que fiz isso, outro barulho.  Rapidamente  ergui o punho em defesa e me agachei, controlado pelo instinto dentro de mim.  Na janela tinha um homem de longos cabelos prateados, era forte e usava uma capa escondendo a face. 
       - Quem é você? - perguntei intrigado.
       - Vim lhe dar uma coisa. 
       - Que coisa? Como entrou aqui?
       - Isso não importa. Tenho essa entrega para você. É importante.  - ele tirou uma pequena caixinha do bolso do blazer que usava e a estendeu para mim.
       - E quem é o remetente?
       - Logo saberá. - disse ele sombrio. 
       - Se isso for alguma armadilha, saiba que temos uma rastreadora e ela te achará...
       - Sinta o cheiro da caixa, não há nada perigoso dentro. Foi um prazer conhecê-lo. Tenho que ir, com licença.
       - Espere! Por que está entregando isso a mim e não a Kian? Ele é quem sempre recebe essas coisas! - falei sem entender o que o homem queria realmente dizer. 
        - Por que você é o vampiro certo.
        - Certo para quê? 
       Ele não respondeu. Fez uma saudação com o chapéu e saltou pela janela. Corri em direção a ele, não ia deixá-lo ir embora sem uma explicação adequada.
       Se iniciou uma corrida tão veloz que nenhum humano poderia nos ver mesmo que passassemos diante deles. Num segundo estávamos voando por cima dos telhados das casas como loucos. Ele era rápido, mas  consegui manter o ritmo. Ao mesmo tempo que deslizávamos, pude ver cada movimento dele com minha visão, o que me deu boa chance de alcança-lo.  No telhado da última casa do quarteirão, meu alvo pulou e  seguiu em direção a floresta   desconhecida por mim.  Adentrei junto em disparada.  Ele ganhou velocidade de repente e virou à esquerda de uma rocha gigante. Cheguei lá em questão de milésimos de segundos, mas  o lugar estava vazio, nem sinal do vampiro misterioso. Suspirei. Como era possível ter sumido tão  rápido? Aspirei o ar com impetuosidade, numa busca sem sucesso de achar algum indício  de que  ainda estava ali.  
       Notei o céu clareando e lembrei  que devia me esconder e rápido. Acelerei de volta à casa e  para minha surpresa ainda não havia ninguém lá. Segurei a caixinha na mão com uma curiosidade enorme para saber o que possuía. Eu ia abri-la, quando invadiram a casa de repente. Uma onda de fumaça entrou na sala escura e mesmo com ela pude ver a luminosidade do sol que acabará de aparecer no horizonte. Minha pele ardeu como fogo e senti muita dor só  com um pouco da claridade da manhã. A porta foi fechada e  a agonia em mim  partiu. Encarei a neblina estonteado. Aos poucos ela sumiu e os vampiros apareceram semelhantes a zumbis. Vi quando  Katherine  caiu sobre o chão tossindo muito. Corri  pretendendo ajuda-la, como fosse capaz, ela parecia mórbida, numa dor infernal. Me ajoelhei e segurei sua cabeça numa investida desolada de socorrê-la. Kian saiu da penumbra e seguido por ele Hana e outros dois vampiros. Moly estava por último. Ela arfou com os olhos brancos mostrando que usara seu poder ao máximo.   
       - O que aconteceu? Por que estão assim? - perguntei frustrado.
       - O sol nasceu... não tivemos tempo suficiente para nos esconder... estamos aqui graças a névoa que nos protegeu um pouco, mas ainda assim nos machucamos... - ela disse muito fraca.
       Fui até Kian que era o único que  não havia se ferido, ele olhava sastifeito, apesar de tudo.
       - Como isso aconteceu? Todos estão com queimaduras  por todo o corpo!  - falei deixando o ódio sair de mim.
       - Moly não pôde proteger todos com a mesma facilidade.
       - E fala isso assim?! Não se importa com eles?
       - O que é  agora Sebastian? Devo lembrar o que fiz por você? Exijo respeito! - ele me olhou com  aversão - Jamais me repreenda entendeu? 
       - Um líder não é nada quando perde o respeito de seus seguidores. - falei finalmente, já estava cansado de tantas injustiças. Ele ficou furioso com minhas palavras, mas não disse nada.
       Fui até a cozinha e peguei bolsas de sangue, dei a cada um deles, mas notei que faltavam alguns vampiros. 
       - E os demais? Onde estão? - perguntei.
       - Morreram. Moly não alcançou todos. - Katherine  falou, recuperando a vivacidade - Sinto muito.
       - Não sinta. Isso acontece. Quando se vive em grupo,  sacrifícios devem ser feitos. - vociferou Kian, irritado.
       - E o Mestre? Ele também pode se sacrificar? - falei e ele me encarou com faíscas no olhar - Será mesmo que todo esse martírio vale a pena? Estou começando a achar que não.
       Kian veio para cima de mim e me agarrou pela garganta. Todos olhavam sem acreditar que eu dissera aquilo. Eu estava com raiva. Ele tinha a matado, ele tinha ferido meus amigos, ele fora responsável por tanta dor, ele merecia.
       - Escute aqui!!! - ele gritou - Você me deve obediência, eu te coloquei aqui, eu salvei sua vida, te dei imortalidade e glória, é melhor guardar sua ingratidão pra você, ou...
       - Kian?? - Tânia chamou calma, entrando na sala de repente.
       - Tânia, o que quer? - urrou  ele impaciente. Todos diziam que os dois tinham um caso antigo, e que ela sabia de um segredo que não permitia que Kian a deixassem. Ele continuava me segurando pela camisa, eu estava esperando, queria brigar com ele, descontar minha raiva. Ele a matou, tudo parecia impossível e perdido.
       - Largue o Sebastian, ele está  nervoso, não sabe o que está dizendo. - ela me olhou implorando para que eu ficasse calado, mas não conseguia, tinha que pôr para fora.
       - Acho que pela primeira vez, sei exatamente o que digo - ele me jogou de costas na parede, senti os tijolos se quebrarem com a pancada. Katherine foi até mim me segurando pelos braços.  Ela já estava se curando. Sua pele voltando ao tom pálido e saudável de antes. Ela me puxou e cochichou em meu ouvido:
       - Não adianta mais, você só vai perder sua casa, porque querendo ou não, aqui sempre será o que você tem de mais perto de um lar. Não estrague isso, fique quieto, controle sua raiva. - ela suplicou. 
       Assenti quebrando a agressividade dentro de mim. Olhei ao redor. Todos estavam nos olhando espantados. Eles se levantaram ainda feridos e foram para seus dormitórios.
       - Algo mais Senhor Jones? - Kian me perguntou irônico.
       - Não... Senhor. - respondi odioso, mas ciente do que Katherine havia me dito.
       - Muito bem. - ele me encarou com arrogância.
       Subi para meu quarto com uma dor diferente. Não externa, mas dentro do peito. Seria possível se apaixonar por alguém que nem conhecia? Existia mesmo um amor assim? Isso já não interessava. Ela estava morta. Graças a Kian. Retirei a caixa do bolso e lhe atirei na parede com toda força. O que um estranho podia ter para mim? O que podia ser tão  importante? Olhei para a embalagem que se rasgara com o impacto.  Peguei um objeto pequeno, sem entender o que podia significar.

  

SEGREDOS DE  UMA VAMPIRA      (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora