Capítulo 30

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       Ainda no negrume, pude sentir toques delicados acariciando as maçãs do meu rosto. Eram de mãos   pequenas e estranhamente  conhecidas, mas eu não sabia exatamente de quem. Elas subiram até meus cabelos e os afagou. Escutei um fungado, como alguém que estava a ponto de chorar, me movimentei bruscamente, queria ver quem estava ali, tentei abrir os olhos, porém antes que eu o fizesse, uma das mãos graciosas encostou sobre as minhas pálpebras com suavidade, eu não me atrevi a tentar abri las novamente.
       - Sebastian... - uma voz feminina e dócil falou ao meu ouvido - senti tanta saudade... - congelei.
       Ela aspirou o ar pelo nariz de novo e retirou a mão dos meus olhos. Eu reconhecia aquela voz, podia identificar de quem era em qualquer lugar da terra, mas não podia ser, não tinha como. Imaginei se era truque, se algum vampiro estava em minha cabeça, revirando minhas memórias alegres e antigas, me contive mais ainda, apertando os olhos com força, eu não podia me iludir, não era real. Então devagar, levantei uma das pálpebras e a vi. A feição da menina era aquela que eu estivera tão acostumado a ver na infância, quando era humano. Os cabelos escuros e espessos, ainda estavam lá, os olhos grandes e castanhos me observando com cílios enormes curvados sobre um olhar doce, a mesma pele clara, se destacando sobre cabelos e sobrancelhas escuras, um contraste que eu nunca poderia esquecer.
       - Selina? - perguntei desatinado.
       Não podia ser, talvez eu estivesse dormindo e sonhando, mas como? Vampiros não dormem, nem sonham, como aquilo podia ser real? Automaticamente cerrei os olhos com força, para ver se a imagem sumia, se eu acordaria daquela fantasia.
       - Eu te amo meu irmão.
      Disse Selina, ou sua imagem, e logo depois eu voltei minha atenção para a figura surreal que estivera lá, porém, o lugar estava vazio, suspirei atordoado, será que pela primeira vez um vampiro tinha dormido? E melhor ainda, sonhado? Respirei lentamente, olhando para os lados procurando ver se a imagem estava lá. Tinha sido ilusão, suspirei exasperado. Minha mente brincava comigo, pregando uma peça bem peculiar, usando a memória de alguém do meu passado. Arfei incessantemente até sentir desconforto no nariz. Olhei para os lados, estava numa cômodo fechado, iluminado por um abajur ao lado da cama, levantei e sentei, minha cabeça estava pesada, o que não era normal, considerando que eu quase nunca sentia desconforto. Na cabeceira da cama, encontrava se também um cálice com liquido vermelho flamejante, sangue. Mas eu não tomei. Resolvi esperar, saber onde eu estava, então  um barulho na porta me fez ficar em alerta, a maçaneta girou e um homem alto entrou no quarto se nem pedir licença. Aparentava ter uns quarenta anos, magro, com cabelos já grisalhos, ele olhou para mim, mas era como se estivesse olhando através de um espelho, mais além. Entretanto,  o que mais me chamou atenção foi que ele não era vampiro, ou lobisomem, era humano.
       - Uma pessoa quer falar com você. - disse ele distante.
       - Onde eu estou? - perguntei lembrando dos últimos acontecimentos - E a jovem que estava comigo? Ela está bem?  Me responda!!!
       Ele parecia que não  ouvia, sem expressão nenhuma no rosto. O que ele tinha afinal? Talvez fosse apenas um submisso de algum vampiro psicopata, e estava hipnotizado. Fiquei de pé, notando que estranhamente, minha visão estava turva e a cabeça girava, voltei a sentar, sem conseguir me sustentar. O homem olhou para mim com curiosidade, parecendo me notar pela primeira vez.
       - É melhor se alimentar, tem o que precisa nessa taça. - ele apontou para a mesinha ao lado - Já faz um bom tempo que você não bebe nada.
       - Como assim um bom tempo? - perguntei perturbado. - Eu cheguei aqui ontem.
       - Faz quase um mês que está conosco. - ele disse sem nenhuma sugestão de explicação na voz, e em seguida virou e saiu.
       Foi como levar um banho de água gelada depois de passar horas num lugar abafado, fiquei estupefato, se fazia tanto tempo que eu estava lá, por que não tinha nenhuma memória? Por que só lembrava de ter levado uma pancada na cabeça e ter acordado ali? E Katherine? Sem o antídoto, ela... Ela... Não pude concluir o pensamento, eu estava tão perto, tinha tudo pronto para salvá la e... Fui até o banheiro e olhei meu reflexo, sim, fazia tempos que eu não bebia sangue, a boca estava roxa, e ao redor dos olhos uma mancha preta delineava tudo, eu estava com a aparência de um zumbi,  quase morto. No próximo segundo, fui até a taça e bebi o líquido, o sangue desceu abrasador e veloz, senti a descarga de adrenalina percorrendo meu corpo, ligeiramente, fiquei novo e firme como antes. Agarrei a fechadura da porta, mas a mesma fez minha pele arder em brasas, soltei a imediatamente, sem compreender o que tinha me queimado. Olhei ao redor, mas o quarto não tinha janelas, e as paredes eram resistentes, não daria para quebrar sem chamar atenção. Passei as mãos no cabelo, tentando fazer minha mente funcionar, eu não conhecia aquele quarto, não fazia idéia de onde estava, nem se sairia dali logo. Apenas sentei e esperei alguém vir.
       Meia hora depois o mordomo veio e abriu a porta.  Saí em disparada pela casa, sentindo cheiros, vendo novas imagens, mas nada me era familiar. Ao dobrar numa entrada para outro corredor, ouvi algo, uma voz rouca e conhecida, Kian. Fui até ele guiado pela sonoridade da sua voz, cheguei numa porta alta e decrépita, na qual existiam vários buracos feitos por cupins.
       - Pode entrar Sebastian. - disse Kian antes mesmo que eu pudesse me apresentar.
      - É mesmo ele?
       Perguntou alguém num sussurro, era Hana. Sem esperar nem mais um segundo, entrei. Lá estava eles, Kian, Hana, Zack, Tânia, todos que moravam comigo na Central do clã. Eles me olharam, alguns contentes, outros com desprezo, ou mesmo ódio. Parei observando os, e desejei mais que tudo ter para onde fugir daqueles olhares curiosos e intensos.
       - Então? - demandou Kian - Onde estava esse tempo todo? E como conseguiu a toxina de um lobisomem, não! Melhor ainda, de um herdeiro?
        Fiquei calado, sem poder responder aquela feição amável  que Kian só transmitia quando estava preparando uma emboscada. Os outros me encaravam tão temerosos quanto eu, eles também o conheciam. Sem dar nenhum sinal de medo ou vacilo, voltei meu olhar para ele e disse somente:
       - Estou aqui não estou? - falei com máximo de confiança - Trouxe o veneno, Katherine ficou curada não foi?
       - Katherine está no lugar seguro, onde coisas não podem chegar até ela para lhe preocupar. - ele disse distante, e parecendo contente por me ver daquele jeito, sem saída.
       - Quero saber onde ela está! - gritei.
       - Você acha mesmo que tem condições de me fazer objeções?  - ele sorriu friamente - Acha que depois de ter me desobedecido, violado minhas leis, passado por cima da minha autoridade, você iria chegar aqui com a porcaria do antídoto para sua queridíssima Katherine e estaria tudo bem? - ele sorriu ainda mais sarcástico, pegou um vazo de cristal em cima de uma mesa e arranhou devagar com a unha, fazendo um som horrível e agudo, as marcas afiadas ficaram desenhadas no vidro - Pra começar, quero saber como conseguiu o veneno... - ele me fitou esperando uma resposta, mas apenas fiquei mudo. Ele jogou o vazo em direção a minha cabeça, o enfeite passou zumbindo por meus ouvidos e se estourou contra a parede. - Acha que estou brincando não é? Saiba que não, eu sei que está acontecendo algo e eu quero saber, ou pessoas que você ama vão se machucar.
       - Quem? - perguntei gélido mas com sarcasmo - Katherine? Ela é a única pessoas que eu me importo, não tenho mais ninguém, e se você a ferir só para me chantagear, os outros integrantes do clã irão ficar bem chateados, e colocaram sua índole na mesa de apostas, então não, você não vai tocar nela.
       Ele parou, parecendo num meio termo entre espantado e desconfortável. Os outros vampiros respiravam quase em câmera lenta, todos olhavam fixadamente de mim para Kian.
       - Saíam todos! Preciso conversar com Jones a sós. - disse ele enigmático, os demais saíram e ele virou para mim - Você se lembra de como era sua vida humana? Lembra das trincheiras? Do barulho das bombas? Dos aviões carregados de munição levando mais armas para os exércitos? - ele parou me encarando por um breve instante e voltou ao assunto - Se lembra que seu oficial praticamente te jogou no meio dos cadáveres quando ainda estava vivo, só para evitar a perda de tempo que seria arranjar um médico para um soldado quase morto? Acho que você ainda deve sentir a sensação dos corpos sem vida abaixo de você, do desespero de saber que depois de lutar por sua nação, deixar sua família para trás, você simplesmente acabaria ali, jogado para terminar de morrer num monte de corpos, esterco e restos que não significavam nada. E quem te salvou? Quem te encontrou e te deu a imortalidade? O poder de nunca ficar doente, nunca envelhecer, nunca precisar de ninguém, a não ser do sangue? Fui eu! Eu Sebastian! Eu te salvei, fiz de você o que é. E agora, só o que eu quero saber é o que está acontecendo, por que tem algo aí fora, que me ameaça. As visões de Tânia não erram, tem alguma coisa, e tenho a impressão que você sabe. 
       - Não sei de nada! O que você quiser que eu explique, explicarei! Pelo menos diga me se Katherine e Louise estão bem! - falei sentido um tipo de descarga elétrica me percorrer a cada palavra.
       - Louise? - ele perguntou sorrindo - A loirinha brava que se atreveu a chutar a canela de um dos vampiros mais perigosos daqui? - ele limpou as unhas parecendo distraído - Bem, digamos que ela está num lugar onde não poderá ser agressiva.
       - Onde?! - gritei - Kian?! Ela é novata, não sabe se defender! Eu a encontrei sozinha, perdida, sem entender o que aconteceu com ela! Você não pode machuca la!
       - Quem vai dizer se eu posso ou não é você Sebastian, basta falar o que eu quero ouvir. - ele me encarou prufundamente, observei aqueles olhos num tom de vemelho vinho,  os cabelos escuros e espetados me lembravam um escorpião, sempre prestes a dar o bote, apontando o ferrão peçonhento a quem ele achasse que era uma ameaça. Seus olhos cintilaram e voltou a falar - Vamos fazer o seguinte, você tem uma semana pra pensar se vai ou não contar a verdade, se nesse tempo, sua boca continuar fechada, alguém que você ama muito vai se machucar feio e pra constar, essa pessoa não vai se curar.
       Ele saiu, andando gracioso pelo chão polido, parecia está voando sobre o assoalho. Fiquei ali, não soube se já tinha algum tempo ou se só eram poucos minutos. Apenas paralizei, pensando em quem Kian poderia machucar. Angel? Katherine? Eu não amava mais ninguém, não me importava com mais ninguém. Mas Kian sempre tinha uma carta na manga, talvez eu realmente devesse levar em consideração a ameaça e inventar uma boa história, não somente boa, mas excelente. O tempo se passava e eu não conseguia pensar, nem imaginar algo realmente convincente pra dizer. Era como se ameaça tivesse me travado e eu estava ali, congelado tanto nos devaneios, quanto com o corpo.
       Uma voz vibrante cortou o silêncio com um grito agudo, virei me e vi um vulto de cabelos castanhos cortando o ar com força. A garota de corpo leve se jogou em cima de mim ferozmente, agarrando meu pescoço com as mãos. Ela estava me abraçando, aquela mesma garota que me ajudou quando me transformei, que sempre esteve ao meu lado, senti seu cheiro de lírios, só para ter certeza que era ela. Então acariciei seus cabelos e pude respirar tranquilo pela primeira vez desde que cheguei naquela casa. Katherine estava bem, e a salvo.

     
       

SEGREDOS DE  UMA VAMPIRA      (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora