Capítulo 1

292 20 13
                                    

Liz

Aspen, março de 2016.

Olho para as paredes brancas e nuas, o piso cinza e sem graça, a cômoda, a mesa de cabeceira simples e feia, a cadeira na qual estou sentada, a cama de armar no canto do quarto e suspiro contente: é exatamente isto que mereço. Alguém como eu não merece luxo ou coisas bonitas. Alguém como eu merece uma caverna suja e úmida, cheia de roedores e insetos terríveis, dormindo no chão, passando frio e fome. Alguém como eu, que matou seus próprios filhos, não merece viver.

Deus! Aquele acidente acabou com tudo na minha vida! Meus bebês, meus queridos menininhos, perderam suas vidas, porque eu fui teimosa o suficiente para não desmarcar aquele compromisso estúpido e saí dirigindo numa maldita nevasca.

E pensar que, naquele dia, eu diria que estava realizando um sonho! Sonho?! Às custas de quê? Da vida dos meus preciosos menininhos? Isso não é realizar nenhum maldito sonho, é entrar de cabeça em um pesadelo sem fim!

Desde então, perdi a vontade de respirar e tentei acabar com a minha vida várias vezes, e agora "ganhei" o direito de estar internada em uma clínica para pessoas loucas. Mas eu não sou uma pessoa louca, eu sou apenas uma assassina.

O acidente passa em minha mente como um filme. Meus dois menininhos jaziam silenciosos, enquanto eu tentava desesperadamente salvá-los, praticamente testemunhando suas vidas terminarem.

As lágrimas me sufocam, e a dor me rasga a alma, já dilacerada, mais uma vez.

Eu nunca vou me permitir esquecer que por causa da minha irresponsabilidade, perdi as únicas coisas realmente valiosas da minha vida.

Uma enfermeira entra no cômodo, trazendo o carrinho com a comida que não vou comer e com a bebida que não vou beber. Ela para na minha frente e diz algumas palavras que não vou reconhecer. Desde que meu silêncio é a única coisa que recebe, ela sai, deixando a bandeja em cima da mesa de cabeceira. Olho silenciosamente para a porta fechada e suspiro, sentindo meu rosto molhado e meu nariz entupido.

Jamais me aventuro a sair por aquelas portas. Não me interessa o que tem lá fora. Não há absolutamente nada que me atraia lá fora.

Olho ao redor mais uma vez, na esperança de ter um vislumbre do que perdi. Às vezes, minha mente me prega uma peça e quando olho em volta, me vejo dentro do quarto que pertencia aos meus filhos. Consigo enxergar perfeitamente as paredes azuis claras com nuvens, o carpete colorido, o guarda-roupas e a cômoda, consigo enxergar até mesmo a poltrona florida que eu usava para alimentá-los. O mais triste é conseguir visualizar as fotos com a família feliz que não existe mais.

E tudo por minha culpa.

Às vezes ainda sinto o cheirinho gostoso de bebês e sinto uma dor tão intensa que fico momentaneamente apagada. Quando dou por mim, não me lembro de nada. Durante algumas horas e até mesmo durante alguns dias, fico apática, encarando a parede, presa no turbilhão da angústia e desolação.

Antes de ir embora para sempre, incapaz de olhar para uma mulher que matou os próprios filhos, meu marido chamou um médico que vem aqui e invade minha dor com conselhos idiotas e terapias que não funcionam.

É inútil, pois eu não quero me curar, não quero seguir em frente, jamais vou esquecer. Quero me lembrar e remoer a culpa e o remorso, assim, nunca mais vou cometer os mesmos erros novamente.

Às vezes, tento me lembrar do rosto do meu marido, meu querido e maravilhoso marido, mas não consigo mais. É como se a imagem dele houvesse se apagado da minha mente. Por mais que me esforce, tudo a respeito dele parece um borrão e nunca posso formar uma imagem vívida na cabeça.

Infidelidade #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora