Capítulo 3

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Liz

Hoje é um bom dia. Hoje é um ótimo dia. A enfermeira não percebeu que roubei a faca de sua intocada bandeja com o jantar. Estou cuidando do meu novo tesouro, as pontas dos meus dedos deslizando pela lâmina fria, às vezes, agarrando o cabo com força. Hoje, desde muito tempo, me sinto feliz e em paz; logo encontrarei os meus menininhos que estão me esperando do outro lado.

Sorrio acariciando a faca escondida em minhas roupas como se ela fosse um amante. Sinto a lâmina ligeiramente serrilhada fazer cócegas nos meus dedos; se eu os pressionar com um pouco de força posso sentir as serrilhas agarrando minha pele, querendo furá-las.

Sem conseguir conter a ansiedade, apuro meus ouvidos tentando ouvir qualquer som que possa se tornar um obstáculo. Silêncio. Tudo no mais absoluto silêncio. Sorrio.

Retirando a faca do seu esconderijo, a olho clinicamente, sem sentir nenhuma emoção além da urgência de perfurar minha pele com ela.

Posicionando a faca no meu pulso cheio de cicatrizes anteriores, respiro fundo e começo a pressioná-la em meu braço. Fecho meus olhos ao sentir a pequena picada de dor.

— Por favor, Liz, não faça isso!

Um gemido de desespero me escapa quando ouço a voz familiar. Minhas mãos abrem, quase contra minha vontade, e a faca cai no chão retinindo com um baque surdo.

— O que você quer? — Pergunto, ainda sem abrir os olhos.

— Você sabe o que eu quero, Liz. Impedir você de fazer alguma coisa feia.

Um suspiro exasperado sai da minha garganta, ao ouvi-lo dizer que acabar com meu sofrimento e querer ficar com meus filhos é feio.

Olho para o chão, para a faca que jaze silenciosa e abandonada e um impulso me urge a pegá-la e furar-me com urgência.

— Não — ouço a voz irritante, me repreendendo como seu eu fosse uma criança mimada, prestes a me jogar no chão e fazer birra.

— Para de me encher! — Grito, furiosa com sua interrupção, com sua mania de sempre interferir nas minhas decisões.

Andando até o outro canto do quarto, paro, enfrentando a parede branca e sem graça, ficando de costas para ele em sinal de rebeldia.

— Eu quero ajudá-la.

Embora não possa vê-lo, posso ouvir claramente sua voz infantil e posso imaginá-lo dando de ombros.

— Então me deixe fazer isso, me deixe ficar com meus filhos — peço num fio de voz, esperançosa de que ele possa concordar.

— Não posso fazer isso e você sabe muito bem — sinto mais do que vejo sua fúria infantil atingir níveis astronômicos, enquanto ele bufa e resmunga.

— Por favor, Angel, por favor, me... — fungo quando as lágrimas me sufocam — me deixe aliviar meu sofrimento.

— O único jeito de aliviar seu sofrimento é você ficar bem, Liz; viva e bem. Será que você não entende?

— Não. Não entendo como posso continuar viva e bem, — faço aspas com as mãos, zombando das palavras — sem meus filhos, sem minha família. Eu perdi tudo — sussurro.

— Nem tudo, mas você está cega e não quer enxergar.

— Por favor, chega — imploro, não suportando mais a pressão da conversa.

Ele fica em silêncio e solto a respiração presa em meus pulmões, erguendo as mãos e limpando meu rosto molhado. Apoiando os antebraços cruzados na parede, deito minha cabeça neles e respiro fundo.

Infidelidade #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora