Capítulo 4 - Liz

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Liz

Suspiro, olhando o doutor Thompson com o canto do meu olho. Ele, sentado na cadeira, lê atentamente um livro de ficção aberto em seu colo, os óculos postos no rosto, as pernas cruzadas na altura dos tornozelos. Eu, por outro lado, apenas encaro em silêncio as paredes brancas, sentada na cama, os braços e pernas moles, totalmente sem forças. Os pensamentos gritando cada vez mais alto dentro da minha cabeça.

Desde que o Dr. Thompson entrou em meu quarto e viu a faca no chão, ele decretou que não me deixaria sozinha para não me machucar. No começo, fiquei irritada, mas após ele sair, voltando alguns minutos depois com o livro, sentar-se calmamente e começar a ler, me ignorando completamente, fiquei um pouco aliviada pela companhia.

Sinto minha língua coçando, a vontade de falar com ele me esmagando, uma urgência em começar a externar minha dor. Por várias vezes abri e fechei a boca, olhando para ele, querendo gritar e sussurrar, querendo que eu tivesse a coragem de fazer isso.

Agora é oficial: estou louca! Estou realmente dando ouvidos à uma alucinação? Estou. Uma alucinação que se parece com um menino de dez anos, vestido de pirata e chamado Angel, que me aconselha como se fosse um avô.

Deus! Ele infernizou minha vida; falando por horas; me empurrando aos limites, já quase ultrapassados, da minha insanidade!

Ainda consigo ouvir sua voz, repetindo sem parar que eu tenho que deixá-lo falar com o médico, que eu tenho que entregar a droga do bilhete que ele escreveu com sua letra infantil. Olho discretamente para a mesa de cabeceira, onde guardei o bilhete dentro do diário que Dr. Thompson me deu.

Um medo sem sentido invade meus pensamentos quando penso no que poderia falar para o doutor. Uma alucinação te mandou um bilhete? Meu amigo imaginário, criança e pirata, quer falar com você?

Encarando a maçaneta da gavetinha na mesa de cabeceira, penso que humilhação eu passaria se insistisse em entregar um bilhete que só existe na minha imaginação. E eu nem sei o que está escrito!

Ouço o doutor Justin pigarrear e disparo meus olhos para ele. Ele vira a página do seu livro e continua me ignorando. Não sei o que sentir... alívio, frustração?

Pego um movimento pelo canto do meu olho e vejo o pirata pulando em um pé só, ele sorri abertamente para mim, gesticulando para eu abrir a boca e falar com o doutor.

O moleque para na minha frente, com os dedos nas laterais das têmporas, fazendo caretas, com a língua de fora e os olhos brilhando. Sinto meu coração disparar diante de tamanho atrevimento. Minhas veias bombeiam sangue mais rápido, conforme suas palavras infantis infiltram-se em minha mente.

— Para com isso! — Grito.

A gargalhada que ele solta me deixa furiosa e me levanto da cama, disposta a chacoalhá-lo para que ele suma de uma vez.

— Liz? — A voz do doutor Justin interrompe a névoa de raiva e violência, e congelo assustada e o encaro de olhos arregalados.

Fechando o livro e o colocando de lado, Dr. Thompson retira os óculos e foca toda a sua atenção em mim. Ando alguns passos, tentando aliviar a tensão em meu corpo, sem olhar para ele. Olho em volta do ambiente e percebo que não vejo nem sinal do moleque insuportável. Bufo, contrariada, balançando a cabeça.

— Fale com ele, Liz — a voz infantil, e agora irritante, chega aos meus ouvidos. Paro e me concentro ao redor do quarto, mas não consigo vê-lo.

— Ora! — Reclamo. — Agora deu de se esconder? Onde está?

Sua risadinha preenche o cômodo, enquanto consigo visualizar sua estrutura tomar forma, empoleirado em cima da cama, envolto em fumaça, como se fosse um fantasma. Meu coração dispara e coloco minha mão no peito, tentando acalmar as batidas descontroladas, certa de que terei um enfarte em breve. Não que isso fosse ruim, afinal, morrer de morte natural seria muito mais limpo do que cortar meus pulsos com a faca. Não que eu vá ter acesso à outra daquelas facas novamente. Dr. Justin fez questão de deixar isso bem claro.

Infidelidade #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora