Vasculhando meu armário, visto uma calça folgada e uma camiseta velha e marcho decidida para o pequeno apartamento que há em cima da garagem, onde uso como atelier.
Faz algumas horas que mandei Justin sair e vou usar toda a frustação e a raiva para criar algo novo e belo. Dizem que os artistas são sensíveis e quando canalizam um determinado sentimento, criam suas obras-primas. Pois sim! Agora estou cheia de sentimentos, o predominante: a raiva.
Paro de frente ao espaço vazio que quero cobrir, no corredor, e medindo mentalmente já sei qual é o tamanho da tela que terei que usar.
Vou decidida para o atelier, passando pela cozinha silenciosa; nem sinal da Sra. Williams a vista. Isso é bom, depois do meu ataque de grosseria, não quero enfrentá-la tão cedo.
No atelier, abro todas as cortinas e as janelas, respirando fundo o cheiro curtido de tinta e de produtos químicos. O cômodo tem uma luz natural impressionante, e assim que botei o primeiro pé aqui, eu sabia que seria meu atelier. As paredes, com prateleiras de madeira do chão ao teto, guardavam todo o material necessário para poder pintar: bisnagas de tinta óleo de cores variadas, todos os tipos de vernizes, todos os tipos de solventes, uma enorme variedade de pinceis, trapos, copos de plástico, paleta de apoio. Em uma das paredes, as prateleiras eram adaptadas para guardar telas em branco de vários tamanhos e também alguns cavaletes.
Num cavalete, no centro da sala, há um trabalho inacabado que não me lembro de ter começado. Uma vista das montanhas cobertas de neve, com o céu nublado e cheio de nuvens carregadas. Fico impressionada com meu trabalho ainda que não me lembre de ter dado nenhuma pincelada.
Avaliando o quadro, ainda faltando detalhes nas nuvens e alguns detalhes na vegetação, consigo sentir o que eu estava sentindo naquele momento. Mesmo sendo uma imagem carregada de violência, uma nevasca se aproximando, no instante em que foi pintado, eu estava em paz, calma e tranquila, consigo até mesmo perceber uma felicidade extrema.
Ando para lá e para cá, avaliando a pintura de todos os ângulos; não há nada nesta pintura que passe algo deprimente ou assustado, raiva ou qualquer outro sentimento carregado.
Estranho, penso, distraída. Será que o pintei em um dos meus surtos de sonambulismo?
Às vezes, desperto em lugares da casa que não me lembro como entrei; às vezes, estou vestida de maneira que não me lembro de ter vestido; tenho certeza que dormi na minha cama e acordo no sofá da sala, com uma roupa diferente; penso que deveria almoçar, apenas para descobrir que não tenho fome alguma, sinal de que já comi em algum momento que não me lembro.
Dando de ombros, volto a analisar o quadro, e percebo, olhando bem de perto, que a tinta óleo está rachada, sinal de que foi pintado faz algum tempo. Quando; não faço ideia. Cuidadosamente, retiro o quadro do cavalete e o coloco apoiado no chão, perto da janela. Não tenho clima para terminá-lo agora, principalmente por nem ao menos me lembrar de começá-lo em primeiro lugar.
Na prateleira das telas, escolho com todo o cuidado a tela em branco que preencherei com meus sentimentos mais profundos e a fixo no cavalete.
Na mesa de trabalho, logo ao lado do cavalete, ligo o pequeno rádio e sem pensar demais, deixo na primeira estação tocando música.
Agarro alguns pinceis, algumas tintas e fecho meus olhos tentando visualizar a imagem que quero criar.
Percebo, com uma certa frustração, que toda aquela raiva já está evaporando. Eu sou uma pessoa que não consigo amargar sentimentos negativos por muito tempo. Prefiro ser feliz e ver sempre o lado bom das coisas.
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Infidelidade #Wattys2016
RomanceJenna é esposa de um conceituado médico psiquiatra. Seu casamento feliz leva um grande golpe após um acidente de carro, que desestabiliza Jenna, de modo que, ela coloca em risco seu casamento e sua vida tranquila. Desconfiando que seu marido tem out...