Capítulo 7 - Liz

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Estamos mais uma vez na nossa sessão. Dr. Thompson, sentado em sua cadeira, caderno e caneta a postos, espera pacientemente que eu diga o que me lembro do meu marido. Reparo em suas roupas, doutor Thompson nunca parece um médico; hoje, veste uma calça jeans com uma camiseta justa e sapatos sem meias; sem jaleco, o que acho bem estranho, considerando que estamos em uma sessão de terapia.

A visão da aliança no dedo da sua mão esquerda está me distraindo, impedindo que minha cabeça clareie e que eu me lembre de algo ou de pelo menos do rosto do meu marido.

Sinto raiva, pois o doutor Justin sempre tem esta aparência de calma, enquanto dentro da minha mente acontece um tornado.

E essa maldita aliança parece uma placa de neon brilhante me dizendo que meu casamento fracassou por que sou uma assassina.

— Liz? E então, você não tem nenhuma lembrança do seu marido para me contar?

— Eu me lembro de ser abandonada por ele — replico, amarga.

Dr. Justin respira fundo, cruza a perna na altura dos tornozelos, segura a ponte do nariz e olha para mim com seriedade.

— Por que você acha que ele abandonou você? — Ele pergunta.

Em resposta, eu apenas bufo e cruzo os braços. Ele levanta as sobrancelhas e apenas me encara com os olhos brilhantes.

— Eu matei meus filhos, doutor. Nenhum homem aguentaria continuar casado com uma mulher irresponsável que mata os próprios filhos — sorri com escárnio. — Diga-me, doutor Justin — enfatizo o doutor, fazendo uma careta — você abandonaria sua esposa se ela matasse os seus filhos?

Doutor Justin Thompson entrecerra os olhos e me observa por alguns segundos, antes de anotar algo em seu caderninho.

— Ficou sem palavras, doutor? — Zombo dele, sabendo que minha situação é impossível, mesmo que ele queira pensar que tem solução.

Ele tira seus óculos e coça os seus olhos. Calmamente, ele limpa as lentes com a ponta da camiseta, e sinto o impulso de pressionar as pontas dos meus dedos nas lentes limpas, apenas para constatar se o paciente doutor, afinal, perde sua paciência. Sabendo que isso seria infantil e que, provavelmente, seria algo que Angel faria e não uma mulher adulta, deixo para lá e apenas sorrio largamente, pois o bom doutor está tentando me distrair e não responder.

Soltando um suspiro que considero cansado, o bom médico me encara nos olhos e diz:

— Eu jamais abandonaria minha esposa, Liz. — Ele olha sua mão esquerda, balança os dedos, observando atentamente sua aliança.

Quando ele levanta seus olhos para mim, pela primeira vez desde que me trato com ele, vejo algo em seu rosto diferente da calma aparente. Uma expressão que conheço muito bem: dor. Dor nua e crua. Acho que doutor Justin tem algum problema em seu casamento. A constatação disso me deixa desconcertada, me sinto culpada por infligir essa dor a ele, mesmo que eu tenha consciência que não é por mim que ele sofre.

— Eu amo minha esposa mais do que qualquer outra coisa no mundo — ele continua. — Não importa o que aconteça, eu sempre cuidarei dela e estarei ao seu lado.

E assim como apareceu, a dor em seu rosto se transforma em uma expressão feroz de amor. A chama da raiva em meu peito atiça-se com o ardor do protecionismo de um homem pela sua mulher. A inveja levanta sua cabeça e sussurra em meus ouvidos o quanto meu próprio marido não me amava o suficiente para permanecer comigo depois do acidente. Ofego, enquanto a verdade se assenta em meu coração, transformando-o em uma pedra gelada.

Infidelidade #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora