Capítulo 01

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Minha infância...

Ano de 1905 - Espanha, na cidade de Lorca.

O Sol se punha nas montanhas sobre o teto da minha casa na roça, quando os meus irmãos Marita e Cortês, tentavam me acalmar perto do galinheiro, me escondendo do carrasco do meu pai. Eu tinha só 8 anos de idade e estava em pânico, chorei quando entrei na cozinha e vi meu pai batendo muito na mãe. Eu sempre respeitei minha mãe Louise, eu percebi ela chorando por culpa do meu pai que a agrediu fisicamente. Fui entrar na cozinha levar alguns pedaços de lenha para o fogão que ela me pediu e sem querer presenciei a pior cena da minha vida.

Ele não a amava, eu pouco entendia de amar uma mulher, mais eu sabia que o amor que eu sentia pela minha mãe, não incluía violência e meu amor por ela, deveria ser igual entre homem e mulher, assim eu pensava como criança e tinha algo errado entre eles. Sangrava sua testa quando do susto que levei de presenciar aquela cena violenta, larguei dos meus pequenos braços frágeis a lenha no chão de madeira todo esburacado e podre, corri até ela para ajudá-la.

Eu pouco podia fazer naquela minha pouca idade, mais eu tentei ajudá-la, vê-la sofrendo daquele jeito doía em mim. A mãe era submissa, o pai era um monstro. Pietro era o homem que eu fui obrigado chamá-lo de pai por anos da minha vida, porém, ele sentia um ódio de mim e eu era seu filho de sangue, o caçula, como se eu fosse capaz de fazer algo ruim a ele, sendo criança.

A mim ele podia bater como sempre fizera sem culpa, mais na minha mãe não, doía eu ver. Um dia eu seria um homem e daria fim naquilo tudo. Assim eu fui crescendo vendo minha mãe arrancar um único pedaço de pão da boca dela e dividir entre nós três, seus filhos. Ela deixava de comer sem reclamar e não nos deixava vê-la na tristeza da sua vida com o pai. Ele não morava conosco, as vezes vinha em casa, sabíamos através dela, que ele trabalhava noutra cidade da Espanha, distante de Lorca. A nós, ele era um estranho em casa que aparecia uma vez a cada mês e era só para brigar com a família, principalmente com a minha mãe.

Ela batalhava com minha irmã Marita, lavando e passando roupas alheias. Marita e eu entregava as trouxas de roupas para quem nos pagava. Muitas vezes eram quilômetros de caminhada para as entregas das roupas lavadas e passadas. Era uma vida sofrida da mãe em todos os sentidos, ela viveu para criar a nós filhos dela, nos dando amor e atenção por que crianças precisam dos seus pais. Eu cresci jurando a mim mesmo, vendo o sofrimento da mãe para alimentar a nós três seus filhos. Resmungava afirmando que no geral, eram afirmações entre lágrimas — Em breve serei homem e vou dar a minha família, o que nosso pai nunca nos deu.

Encrustou este juramento na minha mente...

"Em breve eu serei homem e vou dar a minha família, o que o pai nunca nos deu"

Nós seus três filhos, apanhávamos a cada visita dele e nós éramos obedientes a mãe e a ele, por medo é claro, enfim, ele não merecia nosso respeito por ele. Apanhávamos até sangrar.

Certa vez, eu estava vindo da escola há cinco quilômetros de casa, eu passava por um piquete e vi um senhor treinando sua tourada. Ele era pelo visto um grande toureiro, apesar de aparentar ser um homem jovem e eu tinha o sonho de ir assistir a uma tourada, mais não tínhamos dinheiro nem para comer, quanto mais para assistir a uma tourada.

Concentrado, 'aquele jovem senhor, parou sentindo que alguém o olhava. Olhou-me e do susto de ele me olhar subitamente, eu corri em pânico rumo a minha casa. Ao longe eu ouvia suas gargalhadas por eu ter corrido dele. Eu tinha apenas oito anos de idade, corri quando ele gargalhou me olhando o espiando por baixo da cerca. Pensei que ele iria brigar como meu pai fazia cada vez que estava em casa. Naquele dia ficou por aquilo mesmo, meu corridão de medo e vergonha dele. Ele apenas tinha sorrido do meu susto que corri como um bicho assustado daquele jovem senhor toureiro.

No dia que se prosseguiu de novo e de novo e mais um novo dia e eu, o observava treinando com o touro e com menos medo daquele homem. Por fim, eu parei de correr quando ele parava de tourear e me olhava sério com cara de mal, era um olhar austero em mim.

Eu passei a admirá-lo assistindo seus treinos com o touro, eu fui tomando gosto pela tourada, desejando tourear como ele. Todo dia eu observava ele tourear um touro bufando de bravo. Semanas se passaram e perdi o medo daquele toureiro e a vergonha que eu tinha dele.

Agora eu já sentava sem medo na cerca de madeira provando ser uma velha cerca de tábuas envelhecidas pelo tempo. Ele era muito sério e percebeu que eu tinha interesse em aprender a tourear. Afinal, eu nunca tinha ido numa tourada por mais que era tradição na Espanha, mais era caro a entrada para nossa família. Por anos aquele toureiro não falou comigo, ao longe me cumprimentava com um gesto solene de um toureiro, só podia ser de um, e eu adorava 'aquilo.

A cada Olé que ele bradava quando o touro passava pelo seu manto, eu bradava junto dele e torcia para que ele vencesse o touro. Ele sorria para mim, me vendo bradar junto dele e assim dia após dia, e por muito e muitos anos, eu cresci o vendo tourear, e ele sem falar comigo. Por certo era pelo fato que eu corri por um bom tempo dele só por ele me olhar na cerca.

Se eu não tivesse nada a fazer para a mãe e nem lições da escola, eu pegava um avental da mãe e brincava escondido de todos. Eu adorava brincar de ser um toureiro como aquele jovem senhor toureiro. Entretanto, o touro era o meu cão Duque.

Por muito tempo eu ia nas fazendas tirar leite das vacas para uns fazendeiros e quando ninguém me espiava, eu toureava com os terneiros, ovelhas e cabras também, o melhor era tourear com um bode velho. Contei para a mãe que eu assistia os treinos do jovem toureiro, todo dia. Ela perguntou o nome dele e expliquei que ele nunca falou comigo em todos os anos que eu o assistia treinar suas touradas. Assim eu fui crescendo e observando ele treinar naquele piquete com touros bravos nos pastos. Os anos pareceram voar enquanto eu o observei dia a dia por muitos anos da minha vida, os treinos dele, incansavelmente eu o assistia.

[...]

Quatro anos se passaram, agora eu já estava com 12 quase 13 anos. Certa vez eu estava sentado na cerca torcendo por ele, quando de repente, parou uma carruagem na beira da estrada. Eu olhei gelando minha alma, era o meu pai. Sem aviso prévio, ele tomou minha orelha me xingando de tudo que pior coisa que eu já tinha ouvido do meu pai.

Aquele toureiro, correu na cerca pedindo que o pai não me batesse. Foi a primeira vez que eu ouvi a voz daquele jovem senhor toureiro, ele pedia clemência por mim. Ele falou ao pai, que eu era só um garoto que gostava de touradas, que não estava fazendo nada de errado estar ali.

Nem aquele toureiro conseguiu domar a fera do meu pai. Apanhei como um animal ao chegar em casa, por que eu estava vendo os treinos daquele toureiro. Aonde havia maldade em vê-lo tourear? Apanhei sem compreensão alguma da ira do meu pai. O inferno passou, restaram as cicatrizes pelo meu corpo, da fivela do cinto dele e cicatrizes na minha alma. Meu pai voltou para Madri onde morava e trabalhava. Nem a mãe sabia qual era a profissão dele, aparecia de 20 em 20 dias, éramos sua família abandonada por ele.

Festas de natal, páscoa, aniversários de nós, passavam batidas, éramos insignificantes para ele. Ele passava qualquer data comemorativa com amigos em Madri. Não sabíamos onde morava, nem em que trabalhava. Presente, era o mesmo que viajar para a Lua, era quase impossível. Meu irmão era o filho mais velho e trabalhava ajudando a mãe com os gastos domésticos. Minha irmã costurava e bordava, fazia roupas novas e consertos. Eu observava o sofrimento do trabalho árduo da mãe e dos meus irmãos.

Eu estudava de tarde e na madrugada e nas manhãs tirava leite para os fazendeiros perto de casa. Dava o pouco dinheiro que eu ganhava, para a mãe. Eu ouvia conversas dos peões nas fazendas, que meu pai não valia o que comia e era odiado por muitos de Lorca, o por quê nunca falavam. Por vezes, voltei chorando de tristeza e vergonha de todos eles, por ser filho do Pietro.

"Um dia eu me torno alguém na vida"

Jurei a mim mesmo que eu daria do bom e do melhor para minha mãe e os meus irmãos. Deus ouviu minhas preces, a amarga vida de fome e sofrimento, estavam com seus dias contados. E os meus anos de vida, voaram entre surras de sangrar onde meu pai pegasse para bater. A mãe apanhava dele como nenhuma mulher devia sofrer na vida com um homem...

Chuva de Rosas o Diário de um Toureiro - Livro 01 -Onde histórias criam vida. Descubra agora