A
lgumas batidas na porta me acordaram do transe em que estava, era Kyer pedindo para entrar. Quando tínhamos seis anos ele começou com essa mania: sempre ritmava as batidas como a marcha imperial, ele gostava de entradas de efeito. Ele entrou com a cara de quem sabia exatamente o que tinha acontecido.
— Deixa eu ver se adivinho? Você discutiu com o seu pai de novo?
Tinha o rosto fino e um cabelo espetado tão branco acinzentado quanto o meu. Era alto, o que usava a seu favor para fazer piadinhas infames sobre a minha estatura, e seus olhos dourados eram levemente puxados. A exceção da altura, era o mesmo desde que se mudou para o apartamento ao lado, com seis anos.
Ele vestia um jeans batido e uma camiseta. Como tantas que ele mandava fazer, essa era estampada com algum super-herói das antigas.
— Quando não brigamos? Só queria ir à casa da minha avó.
Kyer se sentou ao meu lado e me envolveu em um abraço apertado. Deitei a cabeça em seu ombro e permiti que as lágrimas escorressem porque toda a frustração se esvaía quando eu estava com ele. Kyer passou a mão no meu rosto enxugando as lágrimas e abriu aquele sorriso infantil e radiante de quem havia aprontado alguma coisa.
— Vamos, você precisa parar de chorar.
— Eu não aguento mais ficar presa aqui Ky!
— Eu sei, mas, quem sabe alguma coisa nova não acontece?
Me afastei dele desconfiada. No banheiro joguei água no rosto e, enquanto me olhava no espelho, pensei em quão grata precisava ser pela amizade de Ky. Quem mais enfrentaria um interrogatório ao se aproximar? Era sempre assim, desde que eu me lembrava por gente. Toda pessoa que se aventurava a ser minha amiga logo cansava da desconfiança do meu pai e se afastava.
Tentava consertar o estrago que o choro fez nos meus cabelos, quando Ky se aproximou da porta com uma das minhas camisetas na mão.
— Lys, acho que você deveria escolher a camiseta que te dei de aniversário para sua primeira visita ao Helix.
Uma vez por semana, ele atravessava Khepri para ir à uma loja de artefatos do começo do século. Sempre voltava com a mochila cheia de coisas, além de histórias contadas por Helix, o alternativo dono da loja. Eu nunca tinha ido àquela loja, ela era muito distante dos olhos do meu pai e ele não deixaria. Vendo que eu não tinha entendido, meu amigo prosseguiu.
— Encontrei com seu pai no corredor e pedi que permitisse que você visitasse a toca comigo. Prometi que voltaríamos antes das sete e que não tiraria os olhos de você. Acho que a briga de hoje foi realmente feia, porque depois de umas cinquenta perguntas, ele deixou.
Sempre tão exagerado. Embora, se tratando do meu pai, não me assustaria se tivesse realmente feito cinquenta perguntas.
— Ky, não tem graça fazer esse tipo de brincadeira. Nem com um milhão delas ele me deixaria ir com você.
— Eu não estou brincando!
Ele balançou uma pequena placa de metal com anotações.
— Só podemos ir no Vontrin dois e sob nenhuma hipótese usar o mesmo para voltar. Não pode sair do meu lado. Se quiser ir ao banheiro tenho que ficar na porta conversando com você para garantir que nada fora do normal esteja acontecendo. Não podemos comer nada e devemos levar água de casa...
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Alys - Elemento Alpha [DEGUSTAÇÃO]
FantasyAlys era só uma garota supervalorizando seus pequenos problemas adolescentes. Até que uma simples incursão abriu mais que o mundo que ela desejava conhecer. Abriu os seus olhos pra verdadeira natureza dos metais Nifrity e as responsabilidades de ser...