Perdida

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Eu estava perdida. Sozinha. Confusa. Com medo. Machucada. Morrendo.

O caminho que trilhei até ali foi teoricamente bom, mas não fácil. Todas as armadilhas e iscas para quem já estava há dias sem comer... Não pude evitar. Por mais que soubesse o quanto seria ruim depois, entrei ali. De alguma maneira, aquilo me trazia certo alivio. Mas todas aquelas coisas tinham gosto de água. No fundo, não puderem fazer nada por mim além de piorar minha situação. Além da minha fome e sede, ainda estava presa. Presa por cordas que queimavam minha pele e me transmitiam um amargor que me fazia imaginar o gosto de mercúrio líquido, entrando pela minha boca, e quando descia a garganta, tinha gosto de enxofre. Ira. As lágrimas que caiam dos meus olhos eram de sangue, e me lembro de nunca ter sentido um desespero tão grande. Sem nem contar os monstros que me atordoavam dia e noite, com suas torturas... torturas, essas que prefiro não citar, senão não terei condições de continuar. Só posso dizer que eu era uma marionete em suas mãos. Uma boneca velha de pano, toda rasgada. Os remendos em mim já não existiam. Nenhum deles funcionava mais. Remendar o que? Se já não havia sobrado nada.

Até que um dia eu vi um deles me soltar e ganir de dor. Gania e gritava, e cada segundo ecoado minha dor aumentava mais. Mas por meio segundo, as cordas pareciam ter se soltado. A imagem do terrível monstro tremeluziu, e eu pude ver a imagem de alguém refletido. Meus olhos doeram. Há muito tempo eu não via um lampejo de luz.

O monstro, agora transformado em um homem fascinante, por acaso, de tão beloparou na minha frente. De costas pra mim, ouvi seu grunhido, mas no fundo, sabia que havia um pouco de medo em sua voz. Pude ouvir também o sorriso. Meus ossos pareciam se quebrar. O jovem atrás dele, parecia ter uns vinte anos. Suas roupas eram tão brancas que ardiam meus olhos. O homem soltou um suspiro impaciente, e depois soprou. Só pude ouvir o barulho do jovem caindo no chão.

Quando ele caiu, luz se espalhou na caverna –agora eu começava a perceber meu cativeiro – e o rapaz olhou pra cima. Olhei também. Não vi nada além de escuridão. Mas ele viu algo, pois logo depois olhou diretamente pra mim, mesmo com o homem entre nós dois.

-Porque...-ele começou a dizer fraco, mas aos poucos foi recuperando o fôlego. O homem bonito, começou a tremer. Pude perceber que ele já sabia o que o garoto iria dizer.

-Não fale. Não diga. Não...-Ele gritava.

-Porque... –o garoto de branco continuou. –Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Jesus...

Do céu coberto de trevas, veio o clarão como de uma explosão. Minhas correntes se quebram e o rapaz se coloca de pé, vindo em minha direção. O homem tenta se colocar a frente dele, mas parece ver algo atrás do garoto, quando este diz: 

- "Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram. (João 1:4-5)". E então, sou livre


Pensando no ReinoOnde histórias criam vida. Descubra agora