So blind

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JUNG DAEHYUN

O hospital estava tranquilo, o que era um tanto incomum para o outono, porque as doenças respiratórias começam a aparecer nesta época. O plantão logo acabaria e eu finalmente poderia ir para casa descansar. Não aguentava mais andar pelos mesmos corredores horas seguidas, quase dormindo com tamanho silêncio e calmaria. Passei pelos quartos desertos de pacientes, acenando para algumas enfermeiras com a aparência tão abatida quanto a minha devia estar.

— Doutor Jung...? Está tudo bem? — Fui parado pelo enfermeiro Moon, sendo desperto de minha caminhada sem um destino certo.

— Tudo ótimo, e com você? Precisam de mim? Algum paciente chegou?

O rapaz apenas balançou a cabeça em negativa e alguns fios de cabelo caíram em seus olhos, me fazendo sorrir.

Moon Jongup pode ser considerado o meu melhor amigo. Ele estudou enfermagem na mesma faculdade em que me formei cardiologista. Tínhamos o mesmo grupo de colegas, o que nos forçou a interagirmos e nos aproximarmos. Eu vi a luta dele para pagar os estudos e ele viu a minha para conseguir meu diploma, indo contra todos que diziam que eu não conseguiria por conta da minha "doença". Tivemos nossas dificuldades, mas no fim passamos por todo o inferno e conseguimos; fizemos residência no mesmo hospital e continuamos nele até hoje. Cinco anos se passaram desde que nos formamos (e oito desde que nos conhecemos) e acho que já tenho o direito de chamá-lo de melhor amigo.

— Quer tomar um café? Sinto que meus olhos estão se fechando sozinhos.

— Oh, isso é normal. Você geralmente os têm fechado na maior parte do tempo de tão pequenos. Parecem dois risquinhos! — Diante a minha provocação ele nada respondeu, apenas puxou meu braço e mudamos a direção, indo até a lanchonete com passos calmos.

Observei a batida ritmada de meus sapatos no azulejo, andando em cima da linha que os separava. As pessoas comentam que a cor azul "bebê" do piso as acalma, porém eu não posso dizer o mesmo. Mal posso confirmar se é realmente azul, apenas sei que – do meu ponto de vista – é um cinza bem clarinho.

Quero dizer, eu não sou cego (obviamente), no entanto não consigo distinguir um tom do outro. Meu mundo é praticamente preto e branco misturado; se tenho sorte e, dependendo da luz no ambiente, posso enxergar um pouco de marrom claro.

E eu apenas tenho a certeza de que realmente não enxergo cor nenhuma porque eu lembro de como elas eram.

Mesmo que faça muito tempo que tenho lidado com minha condição, na minha mente ainda existem vestígios vívidos de como o vermelho me chamava a atenção, de como o rosa me lembrava algodão doce ou amarelo me recordava rámen. Minha cor preferida é... Bom... Era o verde. Adorava deitar na grama verdinha da casa dos meus avós e observar as árvores gigantes que faziam sombra para mim. Hoje em dia, o verde é só mais um cinza frustrante que enche minha vista.

O médico disse para meus pais, após minha cirurgia delicada, que eu teria que conviver com esse fardo chamado Acromatopsia* para o resto da vida. É um pouco decepcionante lembrar de como as cores eram algo tão comum na minha infância e então perceber como meu mundo é tão sem graça sem elas na fase adulta.

— Com canela ou sem? — Indaguei para meu amigo, mesmo sabendo a resposta. Ao ouvir um "sem" vindo dele, fui até a máquina e apertei os botões para que ela entregasse nossas bebidas. Com os pedidos em mãos, sentei à mesa com Jongup, bebericando um pouco do líquido quente. — Dia chato, huh? Durante cinco anos de plantão, nunca houve um dia mais monótono do que hoje.

— Isso é um pouco mórbido, Daehyun. Desejar que as pessoas fiquem doentes ou se machuquem só para você fazer algo...

— Ah não! Não foi uma reclamação. Prefiro as coisas mais calmas e silenciosas. — Bebi mais um gole de uma única vez, suspirando em seguida. — Como está Taehee?

— Bem. Foi passar uns dias na casa dos pais. A casa está vazia sem ela.

— Ah! Que fofo. Tão apaixonadinho. — Provoquei, mesmo sabendo que receberia um soco de volta.

— Falando em apaixonar...

— Não vamos falar sobre isso. Já tive ótimas dores de cabeça com meu último namoro, não me arranje mais problemas.

A simples menção da palavra "namoro" poderia me causar calafrios e um ataque de pânico. Tudo culpa do último namorado que tive. Kim Himchan. Um nome doce para um rapaz com uma feição tão doce quanto. Lábios convidativos, olhos charmosos, cabelos curtos, coxas fartas, nariz perfeito e um sorriso maravilhoso. Fiquei embriagado por sua beleza por sete meses seguidos; vivemos como récem-casados por sete meses seguidos; eu me apaixonei por sua personalidade e bondade por sete meses seguidos. Até o inferno começar.

Balancei a cabeça para espantar as lembranças. Kim Himchan poderia ser doce, mas ao mesmo tempo azedo como um limão.

— A culpa não é minha! Eu só os apresentei, não imaginei que iriam acabar namorando e... Bem... Que tudo ia dar no que deu. — Justificou Jongup, com as mãos na altura dos ombros. Olhei-o de relance, quase com tédio.

Fomos interrompidos por uma das enfermeiras que eu havia acabado de encontrar no corredor.

— Doutor Jung, precisamos do senhor. Acabou de chegar um paciente na ala de emergências.

Acostumado com a mudança repentina de atmosfera, caminhei com passadas largas até o burburinho, empurrando algumas pessoas para que eu mesmo pudesse avaliar a situação.

— O que houve?

— Ele caiu. — Comentou a enfermeira, com as mãos firmes nas barras da maca.

— De que altura? Foi tentativa de suicídio? Qual...

— DO CÉU! — Uma mulher interrompeu, apontando para o teto repetidas vezes. Olhei-a dos pés à cabeça, arqueando uma sobrancelha inconscientemente. Vestia roupas exageradas demais para a leve brisa que soprava do lado de fora e ela exalava um forte cheio de bebida alcoólica. — Para de me olhar, seu louco. Faça alguma coisa!

— Por favor, senhora, espere na recepção.

Troquei um olhar significativo com o Moon e nos calamos, assentindo. Tinham que mandar justo uma bêbada para acompanhá-lo?

Automaticamente, minhas mãos foram de encontro à blusa do homem, contudo nenhum botão ou zíper encontrei. Mal consegui conter a surpresa ao ver que ele vestia uma túnica comprida e de um tecido estranho. Grosso, porém leve.

— Tesoura! Preciso de uma tesoura. — Gritei para a enfermeira, segurando eu mesmo na barra da maca e o puxando para uma sala vazia. Retirei tudo que estava em seu corpo: sapatos, túnica, alguns anéis e o colar. Guardei no bolso da minha calça e peguei o aparelho de pressão, rodeando seu bíceps e bombeando.

É, parece que a minha noite calma foi arruinada.


*Acromatopsia: Os portadores de acromatopsia possuem defeitos nos cones e, assim, não conseguem enxergar as cores ou as enxergam imperfeitamente. Popularmente conhecida como "cegueira de cores".

The Colors of YooOnde histórias criam vida. Descubra agora