STRANGER THINGS- THEMR SONG

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Luminosidade e música

Não sei o que estava pensando. Nem sei se era possível pensar, mas meu corpo todo se arrepiou quando a música de abertura começou a tocar. Encolhi em meus próprios braços, procurando as almofadas do sofá para me acolher.

Com o movimento, derrubei a xícara de café e o vidro de esparramou quebrado pelo chão. Eros e Mabel, minha companhia canina, saltitaram aos meus pés, mas não se afastaram. Eu deixaria a bagunça para depois, assim poderia continuar minha maratona sem preocupações.

Foi o que fiz. Um susto atrás do outro. Apesar de tudo, eu gostei da sensação estranha que se seguiu. Estava sozinha. Ficaria sozinha a noite toda, mas eu podia lidar com isso. Tendo comida e distrações, sem problemas.

Mas eu me lembro do último susto que levei na tela da TV. As luzes piscavam e confundiam os personagens, e houve um estouro. Do lado de cá, a energia oscilou numa coincidência quase desagradável, e fiquei no escuro.

Literalmente. A TV se apagou. As luzes. As cortinas atrás do sofá se ergueram, revelando também a escuridão do céu que eu nem tinha percebido chegar.

Algumas pessoas criam paranoias ao estarem sozinhas diante desse tipo de coisa. Eu ainda não tinha nenhuma, e me levantei para procurar meu celular. Mas claro que me esqueci dos cacos da xícara, e me cortei com eles. Devia estar deixando um rastro de sangue no chão, mas eu lidaria com isso depois.

Tateei pela mesa até o celular. Destravei a tela. As lâmpadas, o celular e a TV se acenderam, mas ao contrário. Eram luzes negras, e havia teias brilhantes e etéreas pendendo pelos espaços da sala. O ar ao meu redor tinha um zumbido, um chiado luminoso que tornava tudo fluorescente aos meus olhos, menos as luzes. Acho que até podia ouvir seus rumores trêmulos arrepiando meus poros. Será que podia mesmo?

O chão fazia um murmúrio de água corrente enquanto meus passos avançavam. As cortinas atrás do sofá oscilaram, e cada movimento trazia uma nota de lamento. Eu deveria estar só sonhando, mas nos sonhos não temos consciência disto. Era difícil, mas levei meus pulmões a respirar.

- Eros, Mabel! – chamei meus dois caninos, e ouvi seus uivos respondendo. O som correu ao meu lado, e apenas seus vultos se destacaram na luminosidade, como fumaça. Parecia que não estavam ali, apenas seus sons.

Segui a trilha dos uivos até a porta, mancando pela varanda, depois até a grama. Descobri a rua paralisada, como se um segundo estivesse durando para sempre. Estivesse durando até agora.

- Você se machucou?

Eu pisquei. A voz se tornou visível diante de mim. Tinha braços, pernas, cabeça, cabelo e uma bicicleta. Ou seja, era só uma pessoa que por acaso também estava ali. O cabelo preto, lisinho, me fez sorrir. E tinha os olhos grandes, escuros, que até se pareciam um pouco com os que me apareciam quando eu olhava no espelho. Acho que seria assim se eu tivesse um irmão gêmeo. Seria como ele.

- Foi mais ou menos. – eu respondi.

- Posso consertar, se você quiser. – meu gêmeo disse.

A sensação de arrepios continuava pelo meu corpo, mas eu sabia que não era por causa dele. Era porque havia quatro nuvens gosmentas no céu. E onze pessoas flutuando acima dos tetos da vizinhança, cantando em onze línguas diferentes.

- Seria ótimo. Isso tudo é muito estranho.

- Sobe aí.

Se era um sonho, eu não tinha nada a perder. Subi atrás dele na bicicleta e o rodeei com os braços. Sabe como é bom apertar uma pessoa que você sabe que é sua? Eu não sabia até então, mas pude compreender. A música até zumbia mais baixa, talvez feliz, junto com o movimento dos pneus.

Começamos a subir pela ladeira. A voz dele se perdia até meus ouvidos, talvez eu estivesse entorpecida demais para escutar. Será que tinha perdido tanto sangue e estava fraca? Voltei-me rapidamente para trás e escutei a trilha vermelha que estava deixando sobre o chão cintilante da nossa Bifrost. Porque era isso que parecia.

- Está ouvindo isso?

- É assim mesmo por aqui. Os sons são de outro jeito. Você gosta?

- Não sei. Por que você não vai mais rápido? Sabe o que aparece quando tem sangue?

- Vou dar um jeito.

Ouvimos os uivos que Eros e Mabel faziam, invisíveis, ao nosso lado. Senti que nos guiavam para o lugar certo, em segurança. Vimos cristais gosmentos que cintilavam no meio da noite, levando ao topo do precipício. Eram apenas pedregulhos, mas não ali: daquele lado, também tinham música.

A água lá embaixo era brilhante, de porcelana. Ele não parou de pedalar com a aproximação da queda, ao contrário, e me impulsionei para ajudar também. Eu o apertei mais, sentindo a textura das roupas e dos fios de cabelo, o cheio de café, até mesmo sem ver eu sentia a cor ônix que tinha nos olhos. Meu coração queria sorrir e chorar, só por causa dele.

A bicicleta despencou no espaço amplo e tenebroso da grota e caímos até atravessar a superfície cintilante. Só me lembro de ter apertado um último abraço na minha pessoa, e gargalhamos ao chegar ao outro lado.

*

A TV permanecia ligada, mas todas as luzes vinham apagadas. Eros e Mabel dormiam no chão, como antes. Os cacos ainda eram uma xícara, em segurança no sofá. Crispei os olhos para conectar as informações. Tinha machucado o pé de algum jeito, mas não era só naquele talho que havia sangue. Levei a mão ao nariz e limpei a bolha quente e vermelha. A música luminosa ainda tocava no meio da escuridão.

Emilly

XemillyCS

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