Com assombro, observo uma nuvem de névoa luminosa se formar em torno da fada e aumentar de tamanho, transformando-a num clone idêntico a mim. É como olhar para um espelho. A mesma pele cor de caramelo. Os mesmos olhos âmbar. O mesmo cabelo escuro que cai em ondas sobre os ombros, com as pontas tingidas que ainda não tive tempo de cortar. Azul encara as próprias mãos e depois checa a sua aparência no espelho.
— Isso é glamour — ela explica, virando-se para mim. Até seu timbre de voz está igual ao meu. — É assim que nós feéricos, quer dizer, os seres mágicos da Terra Encantada, nos disfarçamos. E é desse jeito que vou te dar cobertura. Vou me passar por você e fazer suas tarefas enquanto está fora. Você tinha marcado de sair essa manhã também, né? Eu li a conversa no seu celular.
— Você o quê?
Suas bochechas se tingem de vermelho ao perceber o que falou.
— Desculpa. Vou parar de ficar mexendo nas suas coisas sem permissão. Mas temos que ser rápidas agora. O que preciso fazer?
Dou a ela um resumo da instrução que Catarina deu. Conto também sobre a rotina da casa e as programações para hoje. Sara e Clarisse passarão a manhã toda fora. Catarina está em uma de suas lojas e provavelmente não vai voltar antes das seis. Então uma dúvida surge:
— E se acontecer de minhas primas ou Catarina chegarem antes de mim?
— Eu finjo que vou fazer alguma coisa lá fora e aí você entra. — Azul dá de ombros. — Você ainda não está completamente desperta, mas já consigo sentir quando está por perto. Vai ser fácil! Eu só não posso chegar muito perto da sua tia. Ela pode sentir meu poder e isso vai estragar nosso disfarce.
Digo a ela que estarei de volta no início da tarde. A fada então estala os dedos, e a névoa forma uma cesta de vime em minha mão. Ela está pesada, e um aroma gostoso de pães e bolos sai dela. Agradeço-a, e voltamos a ouvir passos pelo corredor. Desta vez, Jose está me chamando.
— Essa é a minha deixa. Vou manter a empregada ocupada. Fique aí escondida por um tempo até eu dar o sinal — a fada instrui. — Quando você ouvir o som de uma badalada de sino, quer dizer que está livre pra sair, entendeu?
Franzo a testa.
— Uma badalada de sino?
Azul dá de ombros de novo.
— Foi o que me veio à cabeça. Enfim, já estou indo.
A porta se fecha. Escuto um ruído baixo de Jose e Azul conversando no corredor, e faço o possível para não fazer barulho enquanto me arrumo às pressas. Primeiro, limpo a bagunça dos frascos de perfume quebrados no chão. Depois tomo um banho rápido, visto um vestido cinza claro de mangas compridas e estou terminando de arrumar o cabelo quando o som de um sino pesado preenche o ambiente, vindo de todos os lados. Sem perder tempo tentando entender aquilo, agarro a cesta ainda cheirosa e saio de casa a passos rápidos.
No caminho, enquanto estou no metrô, troco algumas mensagens com meus amigos. Assim que chego no parque, noto que eles já encontraram um bom lugar para estender a toalha de piquenique, à sombra de um dos muitos ipês carregados de flores amarelas. Théo está com a cabeça recostada no colo de Thalita, fitando o rosto dela enquanto os dois parecem estar envolvidos em uma conversa interessante. A manhã está ensolarada, e o Ibirapuera está bem movimentado. Passo por um grupo de pessoas fazendo exercícios enquanto me aproximo dos dois. Eles acenam para mim quando me veem e então se aprumam. Théo dá risada quando percebe minha cesta.
— E essa cestinha aí, Soph, onde arrumou?
— Você não vai acreditar se eu te contar. — Rio, depositando a cesta de palha sobre a toalha, junto com as outras coisas. Eles trouxeram refrigerante, um pequeno bolo de padaria, sanduíches e torta de frango. Meu estômago ronca ao vê-los. Comi muito pouco esta manhã.
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O destino de Cinderela
FantasíaANTIGO "COMO SER UMA BORRALHEIRA". NOVOS CAPÍTULOS TODA SEXTA-FEIRA, 18H. Falta apenas um ano para que Sophia se veja livre de sua tia Catarina, uma mulher capaz de fazer a garota passar pelos piores sufocos só pelo prazer de humilhá-la. Convivendo...