Mal abrem-se as portas e já atravesso a estação a passos largos, desviando do aglomerado barulhento de pessoas que caminha em sentido contrário. Quando encontro o banheiro mais próximo e me fito no espelho, ajeito meu cabelo para tentar cobri-las. Mas minhas orelhas ainda despontam por entre as mechas castanho-escuras, ainda mais pontudas do que já foram. Estou desprevenida. Embora sempre tenha temido que isso acontecesse em um ambiente lotado como o vagão de um metrô, desta vez não tenho nada para escondê-las. Nem mesmo um blusão com capuz como o de Thalita. Tudo o que trouxe comigo foi a cesta criada por Azul, minha identidade e um cartão de débito escondidos na capinha do meu celular.
Saio às pressas desejando não ser notada, ou pelo menos ser talvez confundida com um cosplay bem realista. Luto contra o ímpeto de correr. Tento fingir alguma normalidade e então procuro a escada rolante mais próxima em direção à saída. Estou andando até ela quando sinto uma mão puxar meu cotovelo.
— Sophia. Por aqui, vem — diz uma voz, e a reconheço de imediato.
O cabelo negro. A jaqueta de couro preta. Ele.
A confirmação vem com a mesma sensação esquisita que tive na livraria, apesar de menos intensa. Meus joelhos fraquejam de novo, mas me mantenho em pé. O estranho continua a me conduzir na direção oposta, porém puxo meu braço de volta, estacando no meio do caminho.
— Me solta! Tá me levando pra onde? Você não tem educação?
Ele suspira. Depois olha para minhas orelhas, indicando-as com o queixo.
— Não quer que eu te ajude com isso aí?
— Não. Eu não te conheço — rebato. — Não confio em você.
O estranho balança a cabeça, frustrado.
— Tudo bem, me desculpe, não quis te assustar. Conheço sua história desde quando era uma criança. Sou uma vítima de Catarina tanto quanto você. — Seu olhar suaviza. — Procurei você por muito tempo, Sophia. Me deixe te ajudar.
Permaneço imóvel, encarando-o. Os ecos e ruídos da estação nos envolvem. Alterno o olhar de seus olhos cor de gelo para sua mão pacientemente estendida. A cena me faz ter um déjà vu.
Procuro por você há muito tempo, Alteza.
— Tá bom — acabo cedendo. — Como pretende me ajudar?
— Me siga por aqui — ele apenas responde, e obedeço, ainda relutante.
Seguimos para um canto menos movimentado e quando passamos perto de um pilar de concreto, ele me puxa delicadamente para atrás dele, fora da visão das outras pessoas, e estala os dedos. Por um segundo, uma onda de névoa brilhante envolve minha cabeça e sinto minhas orelhas contraírem. Toco-as. Elas estão redondas de novo. Mais humanas. Respiro, aliviada, mas então centenas de perguntas disparam dentro de mim.
— Se era só estalar os dedos, por que me trouxe pra cá? — questiono.
— Pensei que você ia dizer um obrigado. — Ele abre o familiar sorriso de canto — Você não ia querer que eu fizesse isso na frente dos sem-magia, não é?
Na frente dos sem-magia.
— Você também é um deles. — É uma afirmação óbvia, mas a digo mesmo assim.
Ele arqueia uma sobrancelha e enfia as mãos nos bolsos da jaqueta. Outro sorriso zombeteiro se insinua.
— Um deles quem? Depende do que você quer dizer com isso. Um dos caras mais bonitos que você já viu na vida? É, talvez.
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O destino de Cinderela
FantasyANTIGO "COMO SER UMA BORRALHEIRA". NOVOS CAPÍTULOS TODA SEXTA-FEIRA, 18H. Falta apenas um ano para que Sophia se veja livre de sua tia Catarina, uma mulher capaz de fazer a garota passar pelos piores sufocos só pelo prazer de humilhá-la. Convivendo...