Me debruço sobre o parapeito da janela e passo os olhos pelo jardim tomado pelas sombras do crepúsculo, chamando por Azul. Por entre os galhos da copa da árvore ao lado, vejo a borboleta azul celeste surgir e depois pousar no parapeito, tomando a forma original da fada.
— O quê? — resmunga a fada, bocejando. — Sophia, por que você... — Ela observa meu vestido rasgado e minha maquiagem borrada.
Explico o que Catarina e Clarisse fizeram comigo e como isso me fez chegar à conclusão sobre minha sina. Azul ergue as sobrancelhas, compreendendo. Do meio das plumas brancas de seu vestido, ela retira uma varinha translúcida e do tamanho de um espinho, que eu não havia visto ainda.
— Isso vai exigir um pouco mais de esforço meu, então preciso canalizar a magia. Sophia, prepare-se para a melhor noite de sua vida. — Erguendo-se no ar, ela mexe a varinha e a aponta para mim, sorrindo.
Num gesto bobo e eufórico, rodopio como fazem nos filmes. Mas nada acontece.
— Eu não entendo. — Azul analisa o objeto, decepcionada. — Será que perdi meus poderes?
Segundos depois, a fada solta um gemido. A varinha cai, tilintando pelo chão.
— Ai meu Deus, o que foi? — exclamo, indo ao seu socorro. Ela pousa em minhas mãos espalmadas. Noto que seu pequeno pulso está vermelho e com bolhas.
— Acho que estou sob o efeito do ferro. Ferro faz mal às fadas. Não vou poder usar magia por um bom tempo — a fada responde com uma careta, pondo a mão na queimadura.
Franzindo o cenho, coloco a fada com cuidado sobre a cama e me sento no chão, de frente para ela.
— Como assim, o que aconteceu? — pergunto, devolvendo a varinha.
— Foi quando me passei por você. Eu estava ajudando a empregada no closet, quando encontrei um pente de ferro no meio da bagunça. Toquei nele por um segundo, mas larguei quando percebi. Não achei que faria efeito.
Que estranho, penso. Conheço muito bem os itens pessoais de Catarina, e nunca vi nenhum pente de metal entre suas coisas. Conto isso à Azul, que assente.
— Pela aparência, não era um pente deste mundo. Às vezes, na Terra Encantada, coisas de ferro são colocadas de propósito quando se quer distância de um ser feérico.
— Então, você acha que ela descobriu que nós trocamos de lugar? — Pergunto, apreensiva, recordando as ameaças de minha tia pouco tempo atrás.
Azul massageia o pulso.
— Não sei, mas ela deve ter desconfiado. Estou aqui desde ontem, então sua tia pode ter sentido minha magia em algum momento. Ou talvez tenha sentido apenas a sua desde que encontrou a joia. Talvez ela tenha escondido o pente lá pra você. O ferro não faz tão mal para mestiços, mas ainda sim pode bloquear seu poder.
Resisto à vontade de roer as unhas lanço um olhar nervoso a fada. Qualquer que seja a alternativa, Catarina sabe que não estou alheia à magia. Ela planejou isso.
— Você vai ficar melhor? — questiono.
— Vou ficar bem, mas preciso repousar por um tempo. — As asas iridescentes da fada estão debilmente caídas, sinal de sua decepção. — Me desculpe, Sophia.
— A culpa não é sua, é daquele monstro.
Solto um suspiro profundo, tentando racionalizar. Se sou mesmo uma Cinderela, preciso ir à festa. Ela com certeza faz parte da minha história, e lá certamente vou encontrar mais pistas.
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O destino de Cinderela
FantasíaANTIGO "COMO SER UMA BORRALHEIRA". NOVOS CAPÍTULOS TODA SEXTA-FEIRA, 18H. Falta apenas um ano para que Sophia se veja livre de sua tia Catarina, uma mulher capaz de fazer a garota passar pelos piores sufocos só pelo prazer de humilhá-la. Convivendo...