Minha prima treme em meio a soluços e agarra o braço do garoto, tentando em vão desfazer o aperto em torno de seu pescoço. O garoto lobo nem se importa com o desespero da refém. Nem parece sentir as unhas de Clarisse cravando-se em seu braço. Olhando bem, ele não é exatamente idêntico ao irmão, apesar de os moletons escuros os confundirem mais ainda. Este é levemente mais alto e seu cabelo é um pouco mais rebelde. O gêmeo ao meu lado está tão próximo de mim que sinto seu hálito desagradável. Ele tem a audácia de passar um braço em torno dos meus ombros, num gesto claro de deboche.
Sem muita alternativa, olho em volta, na esperança de avistar um lampejo cor de céu por entre a folhagem viçosa das árvores, mas não há sinal de Azul até agora.
— O que foi que tá olhando, perdeu alguma coisa, princesa? — o menino sussurra ao meu ouvido.
— Isso não é da sua conta.
— Olha a língua — ele repreende. — Se não comportar, vou servir carne de sem-magia no espeto hoje à noite.
Olho feio para ele.
— Você vem, princesa? — o outro garoto insiste.
— Pra onde vocês querem me levar? Pra quê? — questiono.
— Não precisa ficar com medo, não vamos te fazer mal. Você vale uma boa grana.
Respiro fundo. Tenho que pensar rápido. Olho de Clarisse choramingando para a diretora que ainda está no pátio, meio esbaforida, dando instruções para um funcionário.
— Tá, eu vou. Agora solta ela.
O menino larga Clarisse. Ela soluça, aliviada, e vou até ela.
— Ele te machucou, Clarisse? — pergunto, puxando-a para longe dos irmãos.
Clarisse nega, os olhos quase esbugalhados de espanto.
— O que... O que tá acontecendo? Por que esse louco me arrastou até aqui? Foi você que mandou eles atrás de mim? — dispara, atordoada.
Faço uma careta.
— Você tá ouvindo o que tá falando? Acabei de te salvar, Clarisse. Se toca.
— Mas é que... — Clarisse acaricia o pescoço, lançando um olhar para os gêmeos que nos assistem. Vejo parte de uma corrente prateada escondida sob a blusa. Então tenho uma ideia.
— Clarisse — fico de frente para ela, bloqueando o campo de visão dos garotos —, preciso do seu colar emprestado, rapidinho.
— Pra quê? — Ela estranha a pergunta.
— Não sei explicar, mas preciso de alguma coisa de prata. Só por garantia.
Minha prima continua sem entender, mas atende ao meu pedido. Fecho o punho em torno da corrente antes que os dois irmãos vejam.
— Ei, acabou a reunião de família. — Em poucos segundos, eles logo veem e me agarram, cada um braço, me impedindo de fugir.
Um deles em seguida coloca uma pulseira esquisita e pesada em mim. Instantaneamente, a força com a qual comecei a me acostumar para de se mover dentro de mim. Meu poder recém desperto se cala, como uma lâmpada se apagando.
— O que é isso? — questiono.
O irmão mais baixo abre um sorriso cheio de dentes tortos.
— Uma pulseira de ferro. Pra você não fazer aquelas coisas de fada. Vamos.
Eles me separam de Clarisse e me empurram pelo colégio afora, ignorando meus tropeços e reclamações. Ninguém nos para, nem mesmo a diretora desesperada que ficou para trás. Nossa única companhia pelos corredores da escola é um ar frio. Consigo ouvir sussurros por trás das portas trancadas, ou um murmúrio aterrorizado aqui e ali. Acho que a equipe da escola está mais preocupada em manter seus alunos longe dos três seres esquisitos que a atravessam. Devem pensar que somos assombrações. Não tive tempo de falar com Clarisse direito, mas espero que estejam cuidando dela depois desse choque. E torço para ela estar atordoada demais para não ter percebido minha demonstração de magia minutos antes.
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O destino de Cinderela
FantasyANTIGO "COMO SER UMA BORRALHEIRA". NOVOS CAPÍTULOS TODA SEXTA-FEIRA, 18H. Falta apenas um ano para que Sophia se veja livre de sua tia Catarina, uma mulher capaz de fazer a garota passar pelos piores sufocos só pelo prazer de humilhá-la. Convivendo...