A Beira Da Morte

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-Bom dia, Dona Carmelyta!

A enfermeira do asilo, Joana, veio como todas as manhãs, trazer o meu café. Pão integral, remédio para os ossos, leite desnatado, remédio para enxaqueca, remédio para gastrite, remédio para pressão alta, pressão baixa...Milhões de remédios formam meu café, almoço, lanche, jantar...Tomo tantos remédios por dia, que não sei para que servem todos.

-Olá, Joana! - Falei com muito esforço, minha voz está quase sumindo.

Ela se senta ao lado da cama, põe a bandeja com o café em cima da cômoda e me ajuda a se sentar.

Ela coloca um pedaço do pão em minha boca.

-Isso, coma devagar! - Ela acha que eu não sei, mas todos os dias ela põe um comprimido minúsculo dentro do pão.

Joana cuida muito bem de mim. Gosto muito dela, e ela de mim. Pelo menos é o que diz.

Depois de conseguir com muito esforço engolir três pedaços de pão e um gole daquele leite horrível feito para idosos, Joana me da um banho. Meus banhos de todos os dias são apenas com um pano molhado e um sabonete neutro.
Fico sentada, esperando Joana terminar de passar com cuidado o pano molhado sobre minha pele. Logo depois ela passa um pano seco.

Joana se levanta e pega uma escova bem macia e um espelho de mão.
Ela passa levemente a escova pelos meus poucos fios de cabelo. Fecho meus olhos...Relembro de quando eu mesma conseguia pentear meus longos cabelos negros, de quando eu mesma preparava minhas refeições, eu mesma me servia...Caminhava, ah que saudade de poder caminhar. Não precisava de cadeira de rodas para sair do quarto...Não precisava de ajuda para me sentar...

-Dona Carmelyta, a senhora está pronta. - Joana me desperta das minhas lembranças.

Ao abrir meus olhos Joana está segurando o espelho em minha frente. Atrás do espelho está uma velha horrível, de cabelos brancos, quase sem cabelo. Muito enrugada, com olheiras...Horrível, quase morta...Apesar de ter apenas 25 anos, de idade.
Só de pensar que aquela velha sou eu, me da enjoo, arrependimento, tristeza, ódio... Quanto ódio.

Joana me faz engolir mais dois comprimidos, e depois me ajuda a deitar. Fecho os olhos e tento dormir...

...

Abro os olhos e olho para o relógio, não consigo ver direito, mas, parece que já está perto do meio dia. Ouço a porta se abrir:

- Ela já acordou, podem vir! - Joana está em frente à porta, falando com alguém do lado de fora do quarto.

Em seguida entram dois homens de roupa toda branca. Acho que são os enfermeiros, devem estar aqui para me colocarem na cadeira de rodas.

Com muito cuidado, os enfermeiros me sentaram na cadeira de rodas. Joana agradece a eles e então empurra a cadeira, me levando pelo corredor, em direção a não sei onde. Saio do quarto 3 vezes na semana, se não estou errada. Mas não me lembro onde ela sempre me leva nesses 3 dias. Minha memória está acabada, só me lembro de quando...

Essas lembranças me corroem!
Não posso mais viver neste mundo!
Quem é felicidade?
Por quê não a conheço?

Estou ficando tonta, não sei se é mais uma doença se manifestando, ou se a vida está me dando um Adeus, e a morte me dando boas vindas...Ou más vindas!

Quando me dou conta, estou em outra sala, com uma grande janela que dava vista para o gramado.

Pessoas circulando pelo gramado. Idosos do asilo sentados ao ar livre jogando baralho. E eu, tão jovem, tão velha, aqui, sentada a poucos minutos e já estou com dor nas costas, nos braços, no pescoço!

- Dona Carmelyta! - Joana me acorda do meu transe - Não chora, a cirurgia é simples. Vai dar tudo certo.

Sem perceber, já está escorrendo lágrimas pelo meu rosto.

Espera aí! Que cirurgia?

Mais uma. Dessa eu não passo. Já fiz muitas cirurgias nos últimos meses. Na última, eu quase fui embora...

Essa cirurgia vai ser para que?
Câncer eu acho que não, já fiz cirurgias para vários tipos de câncer este ano.
Oque será?

-Dona Carmelyta, a senhora vai passar agora por uma cirurgia simples. Vamos extrair uma verruga de sangue, que nasceu em suas costas. - Um médico falou enquanto mexia em algum instrumento, que não consigo ver oque é.

Nossa! Pensei que fosse algo pior.

...

Acordei em meu quarto, acho. Minha visão está turva. O ar está pouco. Não consigo ver as horas, o relógio de parede está tão distante...

Meu estômago está roncando.
Isso dói muito. Joana já devia ter me dado café, cadê Joana?

Preciso de ar, oque está acontecendo?

Ouço a porta abrir, e depois uma batida forte. Joana deve está estressada, bateu a porta com força. Não consigo virar o rosto para ver quem é.

Ouço as pisadas de um tamanco. Deve ser uma mulher. Ela anda lentamente, arrodeando a cama, ficando parada em minha frente. Não consigo ver seu rosto, minha visão está embaçada, mas não é Joana.

Joana é um pouco gorda, de cabelos cacheados...

Esta mulher à minha frente, é alta, magra, parece ter o cabelo comprido, e está com uma roupa de enfermeira. Será uma novata?

Ela está com os punhos cerrados. Começa a andar mais para perto de mim, passando as unhas suavemente por cima do lençol que me cobre.
Vejo seu rosto um pouco melhor. Me parece familiar, mas não reconheço. Ela puxa o oxigênio do meu nariz.

Quem é essa vadia?

Meu peito começa a acelerar, preciso de ar. Quero gritar, mas minha voz está baixa. Começo a gemer e tento me debater, mas não consigo, não tenho forças.

Como essa louca conseguiu entrar aqui?
Por quê ela está fazendo isso comigo?
Cadê a Joana?

Ela tira um objeto do bolso, é uma tesoura. Ela corta as últimas mechas do meu cabelo, e empurra tudo em minha boca.
Não estou aguentando mais. Ela puxa o travesseiro debaixo de minha cabeça, e meu pescoço despenca.

Ah, que dor!

Meus olhos estão se revirando, minha visão está escurecendo aos poucos. Ela da uma tesourada em minha barriga.

-Toma isso, seu demônio!- ela grita - Sua desgraçada!

Não tem ninguém neste asilo?

Cheguei a meu máximo, não resisto mais. Escorre sangue pela minha boca e sinto meu corpo ferver.
A mulher pega o travesseiro e coloca em meu rosto, pressionando com força.

Esgotaram minhas forças, está ficando escuro, estou morrend...

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