Capítulo 23

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A chuva que caía lá fora era tão forte, que o frio que vinha junto tinha nos feito ficar debaixo de um edredom grosso o suficiente para suportar toda a tremedeira que nossos corpos queriam fazer. E ficar deitada abraçada com Tyler perto o bastante também ajudava muito, sim.
Ele me abraçava por trás, com meu corpo encostado ao dele, numa conchinha deliciosa.
- Tem certeza que não vai molhar?
- Tenho. Não vai molhar. - Ele disse. - Não confia em mim?
- Olha, eu estou duvidando de você, porque eu acho que vai molhar, sim.
Ele suspirou.
- Não tem problema se molhar, Jas.
- Tem problema, sim. - Eu disse, tirando o edredom de cima de mim, assim como os braços de Tyler.
Ele resmungou.
- Jas!
- Calma aí.
Saí do quarto dele e fui até a sala. Ele tinha deixado a porta da varanda aberta e pela chuva que caía, com certeza molharia tudo. E ao chegar até lá, tive a certeza. Se eu não tivesse vindo, a água passaria para dentro do apartamento.
- Tá um pouco úmido aqui na sala, Noel teimoso! - Disse alto para que ele pudesse me ouvir.
- Deixa pra lá, Jas! Vem!
Eu sorri, balançando a cabeça. Nem sabia onde ele colocava algum pano para eu poder enxugar ali e estava muito frio, então dei de ombros.
- Se você for pra lá e escorregar, vai ser sua culpa. - Eu disse, voltando para cama e ele logo me puxou, me abraçando forte.
- Não tem problema, você cuida de mim. - Eu revirei os olhos. - Você saiu daqui e me deixou com muito frio.
- Tyler, a água já ia entrar no apartamento.
Ele ficou resmungando, de novo.
- Por acaso tempo chuvoso te deixa resmungão? Porque é o que parece.
- É você que me deixa assim. Você me chama de teimoso, mas é outra.
- Aí, tá bom, Noel. - Eu disse, virando-me pra ele. - Esquece o episódio de segundos atrás e foco nesse abraço gostoso de agora.
Eu o puxei para mais perto e passei a beijar seu pescoço, fazendo-o rir.
- Para, estou com raiva de ti.
- Além de resmungão, a chuva te deixa manhoso, né? - Observei. - Vivendo e aprendendo.
- Aprende isso aqui, oh: eu odeio e amo quando você me chama de Noel. Me irrita um pouquinho porque você faz isso sempre quando quer mostrar que tá certa ou quando tá brigando comigo.
- Você só reclama de mim. Tu não gosta de mim, Tyler. - Frisei seu nome de propósito.
- Você descobriu a verdade. É isso mesmo.
- Já desconfiava. Só me quer aqui para te aquecer.
- Talvez...
Eu ri, tentando me mexer, para voltar a minha posição anterior, mas ele não deixou.
- O que você tá fazendo?
- Eu quero voltar a ficar como eu tava antes, oras.
- E como é que eu vou te beijar desse jeito?
- Você não acha gostoso dormir nesse clima?
- Eu acho. Mas também acho gostoso te beijar. - Ele disse, e em alguns segundos completou: - Em qualquer clima, aliás.
- Você é uma pilha de frases bregas.
- Ai. Essa doeu bem no coração.
- Vem cá. - Eu ri.
Eu tentei beija-lo mas ele desviou seu rosto, me fazendo beijar sua bochecha. Ficou reclamando um monte e eu tentando fazê-lo parar, até finalmente conseguir.
Ele me apertava cada vez mais contra si, como sempre fazia.
- Eu não vou transar com você nesse frio. - Eu disse, entre nossos beijos, e ele começou a rir alto.
- Você realmente sabe como cortar um clima, não é?
- Tá ótimo, tá delícia, mas não quero morrer de frio. - Ele continuou rindo.
- Tá. - E me levou de encontro com sua boca novamente.

Em um momento acordei e me deparei com um Tyler pensativo, olhando pro teto. Ele percebeu que eu tinha reparado e me deu um sorriso tímido.

- Oi. - Ele disse.

- Tudo bem?
Ele assentiu.
- Só estava pensando... - Começou. - Em como as coisas são, no geral.
Me acomodei um pouco mais perto dele, para que minha cabeça ficasse em seu peito.
- Como assim?
- Não sei. - Riu. - Eu nem sei do que estou falando, exatamente.
Eu ri baixinho para mim mesma.
- Você acredita em destino ou algo do tipo?
Parei pra pensar.
- Bem... Nunca pensei sobre isso, de fato.
Ele assentiu de novo.
- É que... A gente tem a tendência de se perguntar o porquê de certas coisas acontecerem conosco. Nos perguntamos com ar de julgamento o motivo de coisas ruins nos acontecer, sabe? - Não tinha certeza se ele queria minha resposta, então, em todo caso, apenas me pus a ouvir. - Mas a gente nunca para pra pensar que precisamos dessas coisas... Quer dizer, talvez, se essas coisas que nos acontece... Não acontecessem - Riu - Bem, talvez coisas boas não aparecessem... Não como estão agora.
Ele suspirou.
- Eu nunca contei... - Hesitou - Eu nunca me abri completamente com Oliver. Não por mal, por não querer contar ou algo do tipo. Mas por não conseguir mesmo. Tinha coisas que eu tentava dizer a ele, mas algo no meu interior não queria expor aquilo. Não sei se era medo de ser entendido errado ou...
- Eu entendo... - Soltei.
- Sempre tive medo de me tornar meu pai. - Ele disse - Algumas pessoas diziam que eu era parecido com ele e eu odiava tanto. Eu entrava em negação. Repetia pra mim mesmo que nunca seria ele, como ele. Não queria ser parecido nem em aparência, sabe? E, lá no fundo, eu tinha receio por sentir isso; eu tinha amigos que se orgulhavam de seus pais e eu tinha medo de ser meu pai; garotos repetindo que iriam ser como seus pais quando crescessem e eu via dentro de casa que talvez eu nem tivesse escolha em não ser...
O seu silêncio pesou e tudo o que pude fazer, foi mostrar que eu estava ali, depositando beijos em seu peito e fazendo um leve carinho em sua barriga.
- Uma vez, eu ouvi minha mãe dizendo para o meu pai que não aguentava mais. E ele não dizia nada. Parecia nem estar ouvindo. E minha mãe chorava e eu me perguntava se meu pai tinha sentimentos. - Continuou. - Lembro de ter perguntado para uma de minhas babás se alguém podia existir sem sentimentos; lembro também de ter chorado, com medo do significado das palavras da minha mãe. Tinha medo de que ela fosse embora ou algo assim.
A exposição de seus sentimentos não era nada fácil para Tyler. Ele guardava tanto, sempre tentando passar por cima de tudo o que o deixava mal, quando se travava de sua família. Era um mecanismo de defesa que ele havia adquirido ao longo dos anos, por não poder e nem conseguir se envolver em brigas que ele era atingido direta e indiretamente.
Quando Tyler me contara sobre sua família, eu não imaginava que seu pai era tão ruim assim. Também pensava que a relação que Noel tinha com ele era melhor do que realmente era. Pensava que o real problema era somente entre Oliver e Sr. Noel...
- E agora... Agora eu nem sequer me arrependo de querer dizer na cara dele que ele nunca fora um bom pai. - O apertei contra mim, sabendo que tudo aquilo era extremamente difícil para ele. - No fundo, eu sempre senti isso. Claro que nunca quis admitir, afinal ele não deixava faltar nada pra gente. Mas eu sabia que ser pai não era só isso. Estava longe de ser só isso...
Ficamos em silêncio de novo e eu começava a me sentir um tanto mal por não saber o que fazer. Não sabia se tentava dizer algo ou se apenas continuava calada.
- Enfim. - Ele disse, mexendo-se para que pudesse olhar-me melhor. - Só estava pensando. Desculpa trazer tudo isso agora... Nem sei como cheguei a isso. - Soltou uma risadinha. - Aliás, nem sei como você faz isso.
- Eu faço o quê? - Perguntei, confusa.
- Você me faz desatar a falar. - Ele disse, rindo.
Eu tive que rir também.
- Fico feliz que se sinta bem em me dizer as coisas. - Me deu um beijo na bochecha.
- Você sabe que pode também, certo?
- Eu sei.
Ele assentiu, me olhando.

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